São Paulo, terça-feira, 1 de agosto de 1995
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"Concerto" de Elgar ganha relançamento

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Faz 15 anos que ouvi uma gravação de Jacqueline du Pré tocando o "Concerto para Violoncelo de Elgar (1857-1934) e até hoje ainda não me recuperei. É uma das emoções da minha vida.
A gravação, com a Sinfônica de Londres regida por John Barbirolli, de 1965, (EMI) tem o estatuto de uma Sagrada Escritura: depois dela, as outras são comentários, ou cópias. É como se a música, aqui, tivesse chegado a uma versão definitiva, de uma maneira que não admite mais variações.
Elgar não é um compositor popular fora da Inglaterra. Sua obra mais tocada é a marcha ``Pompa e Circunstância", mas a pompa já foi tão adulterada pelas circunstâncias (cerimônias oficiais, filmes turísticos e até o programa de Sílvio Santos) que fica difícil reconhecer ali o acento, entre aspiração e melancolia, mais característico do compositor.
As ``Variações Enigma" (1899) são, talvez, sua maior obra; um retrato sinfônico de seus amigos, centrados num motivo musical escondido, que aparece em cada página, mas nunca se escuta por inteiro. É uma construção, na música, de ``enigmas" ou ``figuras" que vão além do jogo das notas e que remetem a Henry James.
Dizem as enciclopédias que o "Concerto para Violoncelo teve sua estréia em 1919, com o solista Felix Salmond e regência do compositor. Mas desconfio que a verdadeira estréia foi em 1965. Um violoncelo é isto, a música é isto. Ninguém como Du Pré soube traduzir os tons de frustração doce de Elgar, de um desejo constantemente retornando às cinzas, de uma vida vivida além do possível, mas nem por isto com grandes esperanças, alguma coisa entre a música de Brahms e as narrativas de Joseph Conrad.
Jacqueline du Pré toca com a eloquência natural de quem encontrou sua definição em forma de sons. Não há muitos outros registros do "Concerto e acho que é por este motivo mesmo: ela tocou e os outros se calaram.
Tanto mais justo que fosse ela mesma a nos dar outra versão, alguns anos mais tarde, gravada ao vivo com a orquestra da Filadélfia, regida por seu marido Daniel Barenboim. Relançada agora pela Sony, a gravação é ainda mais quente do que a primeira e a qualidade de som superior.
Nem mesmo Du Pré tocando o "Concerto" de Elgar esgota Du Pré tocando o "Concerto de Elgar. Mas não sei, além dela, quem teria a coragem de se comparar.
O relançamento é uma dádiva, num ano ruim. Mas tem um sabor amargo, também. É uma homenagem à violoncelista, que teria completado 50 anos no último dia 25 de janeiro. Ela morreu em 1987, aos 42 anos, de uma doença muscular que a obrigou a abandonar o instrumento desde o início da década de 70.
Foi uma das maiores personalidades musicais do nosso tempo. O "Concerto de Elgar se foi com ela; mas esta gravação preserva um pouco da sua presença. É um desejo constantemente voltando a nada; uma contaminação entre a arte e a vida, um dos temas de Henry James e, para nós hoje, do "Concerto de Elgar também.

Disco: Concerto para Violoncelo em mi menor - Variações Enigma
Autor: Edward Elgar
Lançamento: Sony Masterworks

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