São Paulo, sexta-feira, 4 de agosto de 1995
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Ilusão monetária reversa

JOSIMAR VERILLO

JOSMAR VERILLO
O dinheiro foi introduzido na economia para facilitar as transações comerciais entre os agentes econômicos. Ao invés da troca, passou-se a usar um título de crédito. A esse título de crédito deu-se o nome de dinheiro. Com isso, cada agente econômico passou a ter a possibilidade de escolher o melhor momento para adquirir um produto de consumo. Com o tempo, o dinheiro assumiu, além da função de referência (preço), o papel de reserva de valor.
Para que o dinheiro desempenhe a função de referência e de reserva de valor, é preciso que os agentes econômicos acreditem no mesmo.
Se isso não ocorrer, a demanda pelo dinheiro cai, cria-se um excesso de oferta e o preço do dinheiro cai. Quando o preço do dinheiro cai, temos o fenômeno da inflação. O excesso de oferta de dinheiro que causa inflação é invariavelmente provocado pelo governo, que imprime dinheiro para pagar os excessos de despesas.
O salário dos trabalhadores também é expresso em valores monetários. Se a referência de valor não varia, a memória dos trabalhadores se acostuma a associar o montante do salário aos valores dos bens consumidos e tudo permanece estável. Quando os preços dos bens e salários não se comportam da mesma maneira, os trabalhadores passam a reivindicar mais dinheiro pela mesma quantidade de trabalho, o que dá início a ciclos de instabilidade.
Desde Keynes, em economia, ilusão monetária se refere à impressão que os trabalhadores têm de ganhar mais quando o salário nominal é aumentado. Esse fenômeno ocorre quando a inflação em pequena escala corrói vagarosamente os salários e os trabalhadores demoram a perceber. Quando eles recebem um reajuste salarial, têm a impressão de que estão ganhando mais, quando na realidade podem estar ganhando até menos, dependendo do ritmo da inflação.
O fato é pertinente porque, no momento em que se tenta acabar com a inflação no Brasil, vive-se o que se pode chamar de ilusão monetária reversa. Esse fenômeno tem a ver com a impressão de que estamos ganhando mais pelo fato de os preços terem se estabilizado.
Com essa impressão, a população consome mais, contando com crédito e reajustes salariais futuros nos mesmos percentuais do passado, assumindo compromissos acima da capacidade de pagamento.
Quando a incapacidade de pagamento se evidencia, o trabalhador passa a pressionar por aumentos salariais compensatórios. A atual inadimplência generalizada e os números de cheques sem fundos comprovam essa situação.
O que define o poder aquisitivo é o patamar em que os preços se estabilizam e não o fato de os mesmos terem se estabilizado. No Plano Real, os trabalhadores de menor renda, que não têm acesso ao mercado financeiro para proteger seus salários, ganharam poder aquisitivo em relação à classe média no primeiro momento, mas, como os preços se estabilizam em um patamar muito alto, esse ganho desapareceu.
A estabilização monetária provocou um excesso de demanda, parte justificado, no caso da classe de baixa renda, e parte pela ilusão monetária baseada em um poder aquisitivo inexistente.
Em regimes inflacionários, a perda de poder aquisitivo da população de baixa renda é muito grande. A economia, ao longo do tempo, se adapta ao baixo poder aquisitivo da população -a grande maioria no Brasil-, o que significa, na prática, preços genericamente mais baixos. Essa adaptação beneficia as classes média e alta, que têm como proteger seus ativos financeiros e têm, portanto, seu poder aquisitivo aumentado em relação às classes de baixa renda.
No momento atual, a classe média, além de enfrentar uma economia em um patamar mais elevado de preços, perdeu os ganhos relativos à capacidade de proteger os seus ativos em relação àqueles que não a tinham. Deixou de existir a carona nos preços baixos provocados pela baixa renda da população.
A atitude do governo de forçar uma retração na demanda é correta. É a única maneira de trazer os preços para baixo e proporcionar um ganho relativo à classe trabalhadora, que perdeu com os aumentos de preços provocados pelo excesso de demanda.
Se validadas, as demandas salariais causarão déficits no setor governamental, que não tem recursos para acompanhar o setor privado. Isso provocará emissão de moeda e, por conseguinte, inflação.

JOSMAR VERILLO, 42, doutor em economia de recursos naturais pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), é diretor administrativo da Klabin do Paraná.

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