São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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NA PONTA DA LÍNGUA

MARCELO LEITE

Uma das cruzes carregadas de lá para cá por editores e redatores, todos os dias, são os títulos. Essa tarefa impossível -escrever algo brilhante e informativo num espaço exíguo predeterminado- costuma descabelar até os mais calejados jornalistas. E o que é pior, quase sempre com péssimos resultados.
Premidos pelo horário de fechamento, eles acabam se viciando em meia dúzia de palavras-macete. Dificilmente há uma edição da Folha em que não se leia por exemplo o ensebado "gera polêmica".
Substitutivo, ópera, aborto, desapropriação -nada mais provoca discussão, exalta os ânimos, encontra resistência, causa estranhamento. Não. Tudo "gera polêmica".
Outra praga é "evento". Serve para tudo: almoço, espetáculo, debate, seminário, feira, congresso. E não diz nada, claro.
Para suprir essa deformação congênita, os jornalistas tentam reanimar o título natimorto conferindo ao sujeito abstrato faculdades humanas, como a vontade: "Evento" quer reunir 1.000 cães na zona norte, dizia o encarte Via SP (que só circula em algumas regiões da Grande São Paulo) de anteontem.
Na pág. 5-3 da mesma edição, o tal de evento já tinha inclusive abandonado a mudez, e isso para falar de um cego: "Evento anuncia shows de Stevie Wonder", caprichou o redator da Ilustrada.
Não se espante se, na próxima campanha eleitoral, outro barbudo invadir sua TV para berrar: "Meu nome é Evento!"

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