São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Receita de comédia

Se fosse comédia, seria do gênero pastelão verbal. Era uma reunião, em sessões que se desdobraram de terça a quinta, motivada pela informação governamental de próxima ``simplificação radical no Imposto de Renda". De uma parte, os responsáveis pela informação difundida, de outra, os técnicos chamados a propor as medidas simplificadoras.
A convocação já demonstra que o anúncio foi feito sem que houvesse estudos em estágio ao menos razoável. Mas nem um papelzinho com uma qualquer anotação, sequer isso para começar a conversa, os técnicos convocados encontraram. A abertura foi gloriosa: ``Temos que decidir com urgência a simplificação que foi anunciada. Como é que vamos fazer isso?"
A primeira conclusão dos técnicos foi simples: ``Não há como fazer. Sem mexer no fluxo de caixa (do governo), com perda de arrecadação, e sem mexer na Constituição, não há como fazer". Pânico.
Outra sessão. Os técnicos são confrontados com uma sugestão salvadora: ``Para compensar a queda de arrecadação, e assim poder simplificar como anunciado, vamos acabar com os incentivos fiscais". Examinados os incentivos, os técnicos convidados demonstram que só dois são cortáveis: Sudene e Sudam. Com uma observação necessária: ``E quem é que vai fazer o PFL e o PMDB aceitarem isso, sem falar nos empresários do Nordeste e da Amazônia?"
Nos governos de intelectuais é natural que a fertilidade de idéias se sobreponha ao embaraço dos anúncios sem fundos: ``Se não há incentivos para cortar, então vamos aumentar a arrecadação de outro modo: gastos empresariais com publicidade deixam de ser considerados despesas operacionais, dedutíveis na apuração do Imposto de Renda". A resposta não tomou o mesmo tempo que os incentivos: ``Pode ser, mas nunca mais as indústrias de refrigerantes, de cervejas, de cigarros, e todas as que vivem de publicidade maciça, registrarão lucros".
Não vale a pena continuar. Nem os técnicos aguentaram. Na quinta, começaram a debandar para suas cidades. E assim está sendo e vai ser a ``simplificação radical dos impostos" que o governo anunciou na semana passada, como sua próxima inovação séria e modernizadora. Na semana que vem haverá mais reuniões no Ministério da Fazenda, Receita Federal. Mas nem por isso haverá mais modernização e, muito menos, mais seriedade. O lema das reuniões está à altura: ``Já foi anunciado, agora precisamos fazer alguma coisa".

O leão é manso
O primeiro problema grave que a propalada rebeldia do Congresso criaria, segundo o noticiário, seriam as alterações na quebra do monopólio da Petrobrás. O relator no Senado, Ronaldo Cunha Lima, divulgava a adoção de alterações essenciais, tanto para defender o futuro da estatal, como para dotar o Estado do poder de ditar uma política petrolífera.
Bastaram 48 horas de ``atividade" do Congresso, de volta das férias, para que uma conversinha do senador com o presidente Fernando Henrique tornasse de repente dispensáveis todas as alterações. Cunha Lima deu-se por satisfeito com a promessa de Fernando Henrique de mais tarde providenciar, por iniciativa do próprio governo, as tais alterações que o relator considerava indispensáveis -e são mesmo. Outros argumentos presidenciais que tenham feito Cunha Lima dar-se por tão satisfeito, a ponto de abdicar das suas responsabilidades e convicções de relator, ficaram entre os dois.

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