São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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'Mercado futuro da morte' cresce nos EUA

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O ``mercado futuro da morte", venda de seguros de vida de pessoas com doenças terminais, é um negócio florescente nos EUA.
Nos últimos cinco anos, em especial por causa da epidemia da Aids, o número de empresas especializadas no negócio passou de 7 para 50 -um aumento de 614%. O movimento de dinheiro é calculado em cerca de U$ 500 milhões por ano.
O nome técnico da transação é ``acordo viático" (viático é o nome do sacramento eucarístico dado a enfermos em estado grave).
Consiste no seguinte: a pessoa desenganada vende o seu seguro de vida a uma empresa, que paga à vista por ela entre 50% e 80% do seu valor de face. Quando a pessoa morre, a empresa recebe o seguro integral.
As empresas só costumam aceitar pessoas que tenham expectativa de vida inferior a dois anos. É evidente que ninguém se compromete a morrer num certo prazo nem é possível prever com precisão a data da morte de alguém.
Mas os investidores viáticos se cercam dos maiores cuidados: exigem que seus clientes sejam examinados por vários médicos, que lhes dão diferentes pareceres antes de tomarem uma decisão.
As previsões costumam ser corretas. A Living Benefits, por exemplo, uma das líderes do setor, comprou cerca de 1.100 seguros em seis anos.
Desses, 20% dos segurados viveram mais do que os dois anos considerados o máximo aceitável para a empresa. Só 1% deles viveram três anos ou mais depois da venda de seus seguros.
Mesmo assim, a atividade não está livre de riscos: inflação ou taxas de juros podem comer parte dos lucros enquanto o dinheiro do seguro não é sacado e ex-beneficiários dos segurados podem processar as empresas.
Mas o pior pesadelo para os investidores viáticos, embora lhes seja difícil admitir, é a possibilidade de se descobrir a cura da Aids.
Nem todos os clientes dos investidores viáticos são aidéticos. Há casos de pessoas com câncer e outras enfermidades. Mas calcula-se que 90% deles sejam de vítimas de Aids.
Os investidores viáticos operam com qualquer tipo de seguro de vida, mas fazem questão de exigir prova de que os períodos de carências estão vencidos (em geral, eles são de dois anos nos EUA).
Donos dessas firmas e seus agentes não vêem nada de errado ou de mórbido na sua atividade.
``As agências funerárias cobram pelos seus serviços, os padres cobram pelos seus préstimos. É natural que nós também ganhemos dinheiro com o que fazemos", diz Rob Haynie, diretor da Escrow Medical Society.
Haynie afirma que não se considera um ``abutre", mas sim um agente de afirmação da vida. ``Nós fornecemos ao doente terminal uma mercadoria de que ele necessita muito: dinheiro para gastar e aproveitar o que lhe resta, para beneficiar as pessoas de quem gosta ou ainda para aliviar seu sofrimento", argumenta.
A estimativa de U$ 500 milhões anuais para o mercado é aproximada e feita pela associação nacional de investidores viáticos, sediada em Waco, Texas, no sul do país.
O cálculo é difícil porque a maioria dos acordos é feita sob a condição de que se mantenha a privacidade dos dados.

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