São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Como quase aconteceu a Hiroshima econômica

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Hoje, 50 anos depois da explosão atômica em Hiroshima, é uma boa oportunidade para insistir em fatores de ordem geopolítica para entender o sucesso japonês.
Vencida a guerra, as propostas em alguns círculos americanos iam na linha de prosseguir com a destruição por outros meios. A muitos parecia necessário assegurar uma destruição mais duradoura, que incapacitasse o reerguimento industrial e militar japonês.
A idéia mais extremada que chegou a circular no Congresso dos EUA foi a de esterilizar a população masculina do Japão. Ou seja, havia quem defendesse contra o inimigo nada menos que o extermínio racial, filosofia não muito distante daquela que prevalecera na Alemanha nazista.
A obsessão com o extermínio ou a aniquilação era mais forte à época do que talvez se imagine hoje. Assim, lançadas as bombas, era preciso continuar, conseguir mais ainda que por outros meios.
O governo americano imaginou três linhas de ação básicas que tinham como objetivo fazer uma ``reengenharia" da sociedade japonesa. A primeira propunha o desmantelamento da indústria japonesa. O parque produtivo seria literalmente desmontado e transferido para países vizinhos, especialmente aqueles que tinham sido invadidos pelo Japão. A economia nipônica ficaria condenada a regredir ao estágio agrário.
Muito consistente com essa idéia, a reforma agrária imposta pelas forças de ocupação provocaria também uma desintegração da elite latifundiária.
Finalmente, em acordo agora com a tese de que seria possível desmaterializar a elite econômica japonesa, além da reforma agrária seria totalmente alterada a estrutura das grandes empresas, então controladas por poucas famílias.
A destruição das oligarquias agrária e industrial, criando-se uma massa de agricultores pobres, serviria assim para ao mesmo tempo destruir uma forma de dominação política e minar qualquer possibilidade de rearmamento e recidiva imperialista.
Um plano perfeito, autêntica Hiroshima econômica, que na prática nunca alcançou os resultados esperados e, a rigor, em alguns aspectos produziu até mesmo o oposto ao planejado.
A arrancada econômica que se seguiu deveu-se a dois fatores fundamentais, que nada têm a ver com a cultura ou o folclore do Japão. O primeiro e mais importante foi o início da guerra fria. O segundo foi a incapacidade de os americanos perceberem o papel dos bancos na circunvalação do poder econômico da elite japonesa.
Menos de dois anos depois do fim da guerra a União Soviética já representava uma ameaça de ocupação de espaços na Ásia que preocupava enormemente o governo americano. Era sem dúvida mais fácil contar com uma base equipada, industrializada e organizada para resistir à ameaça comunista do que iniciar um processo lento e penoso de desenvolvimento das ex-colônias japonesas.
Quanto aos bancos, escaparam relativamente ilesos à razia dos EUA contra os grupos industriais. Assim acabaram surgindo, no lugar dos ``zaibatsu" (grupos industriais), os ``keiretsu" (conglomerados financeiros). Muito depois vieram outras guerras (da Coréia e do Vietnã) para vitaminar ainda mais a economia japonesa.

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