São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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O problema é ACM

LUÍS NASSIF

O caso Econômico não vai ter solução de mercado, por culpa exclusiva do medo que o senador Antônio Carlos Magalhães infunde no governo e no próprio mercado. Em circunstâncias normais, o Econômico ou seria liquidado ou desapropriado por valor simbólico e colocado à venda.
A questão é que ACM não admite uma solução extra-Bahia. E o último que ousou enfrentar sua ira -o ex-ministro Clemente Mariani, que vendeu o Banco da Bahia ao Bradesco nos anos 70- teve sua casa desapropriada por ACM, então governador do Estado.
A economia baiana resume-se à Odebrecht e às empresas do pólo petroquímico. Como o Econômico tem participação na central de matéria-prima do pólo baiano, julgou-se que toda empresa que poderia sentir-se ameaçada pela venda do Econômico teria interesse em participar de sua compra.
Baseado nessa convicção, ACM convidou tais empresas a montar a operação. A maior parte vai intimidada para a aventura, muito mais pelo receio de enfrentar a ira do prócer baiano, do que pelo negócio em si. Quem não o teme, como a Odebrecht, quer compensações.
Pelo andar da carruagem, vai sobrar para o contribuinte.
No início dos anos 70, o então ministro Delfim Netto patrocinou enorme processo de fusões bancárias, em grande parte financiadas pela viúva. O que se pretende agora é repetir o estilo da época, com um mínimo de institucionalização -que não refresca em nada o caixa do Tesouro.
No caso, trata-se de definir regras que viabilizem a solução baiana para o Econômico e, por meio de uma resolução do Conselho Monetário Nacional, estendê-las a todos os bancos em dificuldades.
Inicialmente, vai-se permitir o financiamento da dívida no banco junto ao compulsório, por prazos largos e a taxas inferiores às do CDI (o papel que serve para troca de dinheiro entre os bancos). O financiamento corresponderá a US$ 1 bilhão.
Vai-se exigir algum aporte dos compradores -no caso do Econômico, algo em torno de US$ 250 milhões. Ao contrário do que havia sido garantido à coluna, não está afastada a possibilidade do pagamento ser feito em créditos contra o governo.
A única condição é que haja troca de controladores. Assim, pode-se estender as benesses para o Banespa, até facilitando sua privatização.
A questão é que a conta irá novamente para a viúva.

Operador
O grupo que planeja comprar o Econômico será engrossado nos próximos dias por um novo parceiro, incumbido de administrar o banco. Dos atuais componentes, o único com experiência bancária -o Banco da Bahia de Investimentos- não parece inclinado a voltar a administrar um banco comercial.

Brancos e bugres
A solução encaminhada para o caso Econômico acrescenta mais um capítulo à interminável relação de benefícios discricionários que tem marcado a atuação do governo desde o advento do Real.
Centenas de milhares de pequenas e médias empresas estão quebrando, a agricultura inviabilizou-se, o interior está em agonia, milhões de consumidores estão inadimplentes.
O governo cria uma situação de caos geral, depois trata de resolver os problemas particulares de grupos de influência. Não é assim que se constrói a democracia moderna preconizada pelo presidente da República.
Alguns exemplos dessas práticas detestáveis:
Centenas de milhares de clientes do Banco do Brasil não conseguem pagar suas dívidas, por conta das restrições de crédito. O banco define regras de renegociação que praticamente levará todos seus clientes normais à bancarrota.
A construtora Encol, uma das maiores do país, localizada em Brasília, entra em crise de liquidez com a política monetária. Em pouco tempo consegue fundo de pensão estatal que adquire um empreendimento em construção, sem sequer discutir o preço.
O dinheiro liberado para o crédito agrícola, pela flexibilização do compulsório, não chega a seu destino, devido às regras definidas pelo BB para a liberação.
Aprovam-se créditos de US$ 250 milhões exclusivamente para usinas de açúcar.
Pequenas e médias empresas do setor de torrefação de café foram obrigadas a tomar financiamentos no ano passado para bancar a alta das cotações do produto. Praticamente todas que se endividaram estão condenadas a quebrar nas próximas semanas porque, mesmo operacionalmente ajustadas, não conseguiram renegociar seus débitos junto ao BB.
Os compradores do Econômico vão obter US$ 1 bilhão a prazos largos e taxas módicas, para adquirirem o banco.
Prossegue o arbítrio na definição de medidas de proteção à indústria.

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