São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reformas: hora de pôr a bola no chão

ANTONIO KANDIR

A pauta potencial do Congresso neste semestre é imensa. Nela, acumulam-se várias reformas (tributária, administrativa, previdenciária, política), regulamentação das emendas da ordem econômica e MP da desindexação, sem esquecer do Orçamento de 96.
São todos temas que suscitam conflito, demandam negociações complexas e tendem a ter tramitação mais vagarosa do que tiveram as emendas da ordem econômica (estas levaram em média 75 dias entre seu envio à Câmara e sua aprovação em plenário).
Em vista desse panorama, difunde-se a impressão de haver mudanças de mais e tempo de menos, em particular para a aprovação das reformas constitucionais. A impressão apóia-se no raciocínio de que ou as reformas são feitas neste segundo semestre, no mais tardar até meados do primeiro semestre do próximo ano, quando deve iniciar-se a corrida para o pleito municipal, ou ficarão irremediavelmente congeladas até o próximo mandato presidencial.
Auxilia esse raciocínio a suposição de que, na segunda parte do mandato, o presidente de turno perde iniciativa política e torna-se incapaz de promover mudanças de fundo. Decorre daí a conclusão de que o país está fadado a ter um processo truncado de reformas.
Que esse risco existe, ninguém de bom senso há de negar. Como também não há como negar as restrições que o ciclo político-eleitoral impõe ao calendário das reformas constitucionais. Mas estou convencido de que o tempo disponível para fazer as reformas constitucionais é mais dilatado do que parece à primeira vista.
Primeiro porque, mantido ou acrescido o peso político do governo, haverá condições de mobilizar o Congresso durante todo o primeiro semestre de 1996. Segundo, porque não me parece ser verdade axiomática que o governo esteja condenado ao imobilismo na segunda parte do mandato (97-98).
Seu grau de iniciativa pode ser bem maior do que se supõe, a depender: i) da correlação de forças resultante das eleições municipais de outubro de 1996; ii) das perspectivas de continuidade das linhas-mestras do governo FHC no próximo mandato presidencial.
Havendo, no pleito municipal, vitória expressiva das forças que apóiam o presidente, se fortalece a perspectiva de continuidade no próximo mandato presidencial e dilata-se o tempo das reformas constitucionais.
Há boas razões para acreditar que venha a ser esse o cenário, principalmente se houver bom senso e capacidade para estabelecer um cronograma realista de reformas para os próximos meses, de modo a não gerar paralisia e fragmentação excessiva das forças políticas.
Não obstante a importância de contextos regionais específicos, as eleições municipais em meio ao mandato presidencial assumem tradicionalmente feições de certo modo plebiscitárias, de apoio ou rejeição ao chefe do Executivo federal, refletindo sobretudo a avaliação do eleitorado acerca dos efeitos da política econômica na vida concreta de cada um.
Vale dizer que, mais uma vez, o Real deverá ser a variável decisiva do processo eleitoral. E não há razões para crer que o ano de 1996, do ponto de vista do processo de estabilização e retomada do desenvolvimento, não seja superior ao segundo semestre deste ano. Ao contrário, os ajustes mais delicados e severos já foram feitos, indicando uma navegação mais tranquila de agora em diante.
Note-se, por fim, que a evolução positiva do Plano Real não depende de que seja aprovado logo o estoque completo das reformas constitucionais. Depende, isto sim, de que as reformas tenham rumo claro, avancem permanentemente, ainda que de modo gradual, e tenham sentido de continuidade, de modo a ir melhorando as condições de administração do plano no presente imediato, reforçando a governabilidade e indicando a consolidação definitiva da estabilização no futuro previsível.
Daí a importância de que o Executivo e sua base de apoio no Congresso se ponham logo de acordo a respeito do que é factível aprovar neste segundo semestre, indicando qual o calendário posterior das reformas. É hora de colocar a bola no chão e desmontar o mito de que, nos próximos meses, estaremos jogando o "tudo ou nada" das reformas constitucionais e da estabilização.

Texto Anterior: Estoque de 'moeda podre' no país soma R$ 6,80 bilhões
Próximo Texto: Ingresso de dólares pode precipitar novas restrições
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.