São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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EUA tentam se livrar da culpa pela bomba

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se foi correto ou não lançar as bombas sobre o Japão é uma daquelas discussões intermináveis, que já tem 50 anos e promete ser debatida nos próximos 500.
Em agosto de 1945, os americanos já tinham praticamente ganho a guerra contra o Japão, iniciada em dezembro de 1941. Mesmo sem bombas atômicas, eles já estavam arrasando o país.
Quando os alemães destruíram a cidade espanhola de Guernica, durante a Guerra Civil na Espanha (1936-39), houve uma gritaria geral contra a atitude bárbara.
Naquela época não era considerado de bom tom bombardear alvos civis. Apenas alvos ``militares" poderiam ser atacados.
Com os ataques alemães contra o Reino Unido em 1940, e o revide britânico nos anos seguintes, a distinção tornou-se acadêmica.
A princípio, foram atacadas indústrias de armas, alvos civis com funções militares.
Depois, passou-se ao terror propriamente dito, atacando bairros residenciais de cidades para solapar o moral do país em guerra.
Em 1944, os americanos começaram o ataque ao Japão, usando principalmente bombas incendiárias. As cidades japonesas tinham muitas casas de madeira e papel. Queimá-las foi fácil.
O maior desses ataques, contra a capital japonesa, Tóquio, matou mais de 80 mil pessoas, mais do que o número de mortos em Nagasaki. Ou seja: mesmo armas convencionais podem produzir um terror de proporções gigantescas.
O grande argumento americano para jogar a bomba era o fanatismo dos soldados japoneses.
Em 1944, houve a estréia dos kamikazes, os pilotos-suicidas japoneses que se arremessavam com aviões repletos de bombas contra os navios da Marinha dos EUA.
À medida que a campanha americana no Pacífico se intensificava, crescia o fanatismo dos japoneses.
O número de prisioneiros de guerra era uma proporção minúscula do número de mortos. Muitos oficiais japoneses preferiam se suicidar a virar prisioneiros.
Ou seja, era válido o temor americano sobre o número de baixas que uma invasão do Japão causaria. Seria preciso empregar mais de um milhão de soldados, em uma invasão que passaria em tamanho o famoso Dia D (a invasão à França em junho de 1944).
Estimativas das vítimas variavam muito. É difícil prever quantos americanos morreriam e seriam feridos. Há quem diga 50 mil; há quem diga 500 mil.
Esses números têm valor político ainda hoje. Uma exposição no Museu do Ar e do Espaço, em Washington, da cabine do bombardeiro B-29 que levou a bomba de Hiroshima causou polêmica a respeito do texto da exibição.
Veteranos e representantes da Força Aérea americana queriam evitar que se mostrasse apenas o sofrimento das vítimas de Hiroshima. Fizeram questão de incluir dados sobre as atrocidades cometidas pelos japoneses na China e contra prisioneiros aliados.
O principal era justificar a bomba como o instrumento que salvou as vidas (americanas) daqueles que tomariam o Japão em 1946.
Eles se colocam contra o ``revisionismo" dos que acham que foi imoral lançar a bomba contra aqueles que atacaram os EUA sem o devido aviso, em 1941.
Um anúncio em uma revista americana dedicada a temas militares é significativo.
Trata-se de um anúncio de uma gravura mostrando o B-29 que lançou a bomba de Nagasaki. ``Em 1945, essa missão salvou um milhão de vidas americanas. A missão hoje é salvar milhões do revisionismo", diz o anúncio.

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