São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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O inventor de caminhos

CRISTINA ZAHAR

O nome dos irmãos Villas Boas se confunde com a história do Brasil. Uma parte dela está contada em "A Marcha para o Oeste", que ganhou o prêmio Jabuti na categoria melhor livro-reportagem. Assinado por Orlando e Cláudio, o livro fala da expedição Roncador-Xingu e da Fundação Brasil Central, responsáveis pelo mapeamento do Oeste brasileiro. Orlando será tema de outro livro, a ser lançado em setembro. Aos 81 anos, 42 dos quais passados na mata, ele diz que não há lugar para o índio na sociedade brasileira.

Que tal ter ganho o prêmio Jabuti com o livro "A Marcha para o Oeste"?
Na verdade, o objetivo do livro não era ganhar prêmio e sim resgatar uma parte da história do país.
Quais são seus próximos projetos?
A Maureen Bisilliat (curadora do Memorial da América Latina) está coordenando, junto com Helena Tassara, um livro que reúne resenhas sobre nós, publicadas dos anos 40 para cá. Chama-se "Guerreiros sem Espada - Experiências Revistas, Jornais e Publicações dos irmãos Villas Boas". O lançamento está previsto para setembro.
Como surgiu a idéia do livro?
Há dois anos, fizemos uma viagem à serra do Roncador. Ao chegar a Barra do Garça, visitamos escolas. Perguntei aos alunos se sabiam como a cidade tinha surgido. Ninguém sabia. Pensei: não é possível que uma grande área do Brasil Central -no rastro da expedição nasceram 43 cidades- morra sem história. Levei um ano datilografando, preenchendo com a memória os claros de nosso diário de expedição.
O que foi a marcha para o Oeste?
Naquela época, a idéia que se tinha era de que as cartas geográficas do país mostravam grandes brancos, que correspondiam à região do Brasil Central. Foi quando o Getúlio criou a expedição Roncador-Xingu, durante a Segunda Guerra. Um premiê francês disse, à época: já que a tônica da guerra é o espaço vital, por que não ocupar os brancos do Brasil Central com as populações excedentes da Europa? Ele desmentiu depois, mas ninguém acreditou. Isso impulsionou a marcha para o Oeste, mas não foi o principal. Em 1943, Getúlio encampou a idéia, motivado pelo livro "A Marcha para o Oeste", de Cassiano Ricardo.
Quem coordenava a expedição?
O ministro João Alberto Lins de Barros, interventor em São Paulo na época do tenentismo. Entramos na expedição como analfabetos, achava-se que o analfabeto era mais resistente. Quando descobriram que éramos alfabetizados, fomos aproveitados na administração.
Qual o trajeto da expedição?
A expedição deveria sair do rio Araguaia em direção a Manaus.
Quando os Villas Boas entraram para valer na expedição?
Quando ela encostou no rio das Mortes. Tínhamos assumido funções burocráticas em Aragarças. Ali começavam os brancos do Brasil Central. Para surpresa nossa, as regiões eram habitadas. Os aviões voaram para a frente e encontraram os xavantes.
O objetivo era contatar índios?
Não. Tínhamos que abrir uma picada rumo a Manaus e mapear lugares para futuros núcleos populacionais. Depois, surgiu a Fundação Brasil Central, órgão de vanguarda da expedição, que consolidava os núcleos abertos pela Roncador-Xingu. Quando o João Alberto viu que a coisa poderia se complicar por causa dos índios hostis, o governo de Goiás ofereceu um destacamento militar para abrir caminho. Fomos contra e escrevemos ao marechal Rondon para que intercedesse.
Qual foi a reação do ministro?
Disse que a frente militar estava suspensa. Em compensação, nos colocou à frente da expedição com mais 18 garimpeiros, gente perigosa. À medida que passávamos, nomeávamos os córregos com como "da Briga", "da Faca"... Víamos que seria difícil contê-los em relação ao índio.

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