São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995 |
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Arqueologia do sujeito Eles são, assim, realidades derivadas: só há desejo quando as alternâncias de dor e prazer puderam ser conservadas na memória de forma a que se busque no futuro os bens já fruídos e agora perdidos. O que Condillac nos proporciona, assim, é uma explicação de como o desejo -esta realidade não-natural, no sentido de que se diferencia do plano das necessidades biológicas- vem a fazer parte de uma natureza, a natureza humana. Ora, o leitor pode eventualmente estar se perguntando da propriedade do título desta resenha se os autores discutidos foram Hobbes, La Rochefoucauld, Locke, Malebranche e Condillac, além dos que se envolveram na ``querela do luxo". Realmente, encontramos em todo o livro apenas três menções a Freud, sendo que duas em notas de pé de página. No entanto... No entanto, a psicanálise está presente em toda a exposição e de variadas maneiras. Além dos comparecimentos explícitos, poucos mas significativos, há uma presença difusa da psicanálise. A questão de como a subjetividade se constitui em torno de algo -o desejo-, que se apóia no biológico -a necessidade-, para daí se desviar, criando o campo do especificamente humano, é central no pensamento freudiano. Das necessidades aos desejos, dos instintos às pulsões, há sempre os movimentos de apoio e desvio que começaram a ser pressentidos pelos filósofos dos séculos 17 e 18 e encontraram uma primeira formulação completa em Condillac. Há, porém, ainda uma outra forma de a psicanálise estar presente. A atenção flutuante da escuta psicanalítica comporta, numa certa medida, ``ouvir uma coisa pensando em outra". Neste descentramento da escuta em relação a si mesma é que se abrem alguns espaços privilegiados de audição. Da mesma forma, pode ser muito proveitoso ``ler uma coisa pensando em outra", desde que o leitor não se perca em pueris ``associações de idéias". Ora, o texto de Monzani parece ter sido escrito com o que eu me atreveria a chamar de ``técnica do discurso bifocal": escreve-se com grande propriedade e fluência acerca da filosofia, dá-se ao leitor o testemunho de um exercício exegético rigoroso, efetuado segundo os melhores modelos e com o maior respeito aos textos e, no entanto, há para além daquilo que as lentes de ver perto alcançam, a sombra das figuras psicanalíticas se desenhando com mais nitidez que nunca. Deste bifocalismo saem ganhando psicanalistas e filósofos. O professor Monzani, após belos serviços prestados à psicanálise (``Freud - O Movimento de Um Pensamento", Ed. Unicamp, 1989), anunciou que se afastaria dos estudos psicanalíticos. Gostaria de encerrar, dizendo que tudo indica que ele estava mentindo e que a psicanálise, sem dúvida alguma, agradece. LUIS CLÁUDIO FIGUEIREDO é livre-docente em psicologia geral na USP, professor da pós-graduação em psicologia clínica da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP); é autor de ``A Invenção do Psicológico - Quatro Séculos de Subjetivação" (Escuta/Educ) e ``Modos de Subjetivação no Brasil" (Escuta/Educ) Texto Anterior: Arqueologia do sujeito Próximo Texto: Um aluno fora de série Índice |
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