São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995
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Vamos deixar de produzir nossas próprias roupas?

JEAN LOUIS BOURDON

O Brasil corre o risco de chegar ao final do ano com uma balança comercial negativa de nada menos que US$ 4 bilhões no setor têxtil, invertendo dramaticamente um superávit histórico que sempre se situou na casa de US$ 1 bilhão. É inconcebível que um país como o Brasil, com 150 milhões de habitantes e uma indústria têxtil integrada, chegue a essa situação, em função de uma farra de importações que atravessa nossas fronteiras a preço vil, claramente movidas a ``dumping".
O governo promete tomar providências para evitar esse desfecho, elevando as tarifas de importação, estabelecendo cotas, conforme já foi negociado com as lideranças do setor têxtil, tudo feito de acordo com as normas da Organização Mundial do Comércio -a OMC. Se essas medidas terão força para evitar aquele tremendo déficit, só o tempo dirá. Mas um fato é claro: terá sido uma medida de urgência para tapar um buraco criado pelo clima de liberdade comercial que acompanhou o Plano Real.
O Real vem cumprindo, com eficiência nunca vista em planos anteriores, seu objetivo de derrotar a inflação. Mas está na hora de acoplar ao seu receituário as preocupações com o longo prazo, como uma política industrial, tão necessária quanto as decantadas reformas constitucionais. Há sinais de que o Ministério da Indústria e do Comércio realiza um esforço nesse sentido e ele é muito bem vindo.
Uma política industrial é fundamental para que se atinjam dois objetivos. O primeiro é preservar e ampliar o parque fabril que deu a este país o privilegiado status de economia industrial, do qual nenhum brasileiro lúcido gostará de abrir mão. O segundo é estimular e balizar o surgimento de uma indústria altamente produtiva e competitiva, qualidades essenciais para que ela contribua para dar longa vida à estabilidade econômica proporcionada pelo Real.
Quando se fala em política industrial, há sempre quem diga que o Brasil precisa definir quais são as suas vocações, para que compita com eficiência em uma economia mundial cada vez mais marcada pela integração e alta tecnologia. Um país com 150 milhões de habitantes e um mercado em constante ebulição, como o Brasil, tem, por definição, vocação para a indústria têxtil. Não faz sentido imaginar que esse mercado possa ser abastecido por importações pois, se não formos capazes de produzir nossas próprias roupas, seremos capazes de produzir o quê?
Cabe também perguntar por que o Brasil não é capaz de competir internacionalmente com os produtores têxteis da Ásia. O que nos impede? O que nos diferencia deles? Se a ``década perdida", os anos 80, foi um período de perplexidade e desorganização econômica, certamente não há motivo que nos impeça de recuperar, agora, o tempo perdido. Se à modernização de nossa indústria acoplar-se a diminuição do ``custo Brasil", tarefa em que este governo parece estar empenhado, mais do que meio caminho estará andado.
O governo do general Ernesto Geisel foi o último em que houve algo que se poderia chamar de política industrial, consubstanciada no Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. Estimulou-se, com entusiasmo, a expansão da indústria de base no país, para dar sustentação a um projeto de desenvolvimento preponderantemente autárquico, auto-sustentado.
De lá para cá, o mundo mudou; tornou-se evidente a integração entre os mercados mundiais, a interdependência das economias e, por isso mesmo, muitas das sementes então plantadas não brotaram e muitas das que brotaram feneceram, deitando por terra os sonhos autárquicos daquela época. De qualquer modo, o 2º PND, com seus erros e acertos, foi o derradeiro impulso governamental que construiu a economia industrial que o Brasil tem hoje.
É preciso agir novamente. A economia privada, e é a imprensa que o diz, tem-se adaptado com maior rapidez do que qualquer outro setor aos tempos modernos de eficiência, competitividade, integração e alta tecnologia. No caso da indústria, são inúmeras as empresas que estão se modernizando, se fundindo, se aliando nacional e internacionalmente, abrindo mercados aqui e lá fora. Fazem esse esforço sem qualquer estímulo oficial e, quase sempre, apesar dos obstáculos oficiais.
Se o vento começar a soprar a favor, com a definição de uma política industrial, esse processo será significativamente acelerado. Para nós, da indústria de fibras, isso é claro como água.

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