São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995
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Exposição revela gosto erótico de Rodolfo 2º

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL A VIENA

O Museu de História da Arte de Viena sedia até final de setembro a mostra ``Eros e Mythos na Corte de Rodolfo 2º". São 60 telas, além de dezenas de objetos artesanais, pertencentes à coleção do rei Rodolfo 2º (1552-1612). A exposição chama atenção pela unidade temática e estilística das obras.
As telas trazem alta voltagem erótica por meio de temas mitológicos. O estilo de pintura revela um aperfeiçoamento das lições do Maneirismo italiano.
Não são visíveis as diferenças de fatura ou assunto entre os pintores. ``Eros e Mythos" quer demonstrar que a homogeneização tem um autor, o próprio rei.
Rodolfo 2º era um caprichoso amante das artes e das mulheres. Humanista e ``womanizer", foi déspota tão esclarecido que interveio criativamente na produção dos artistas que serviam seu palácio, localizado em Praga, Boêmia, região então pertencente ao império Habsburgo.
Rodolfo se apaixonou desde cedo pela produção renascentista. Em diversas viagens à Florença, entrou em contato com pintores e aprendeu a admirar a mitologia clássica relida por Ticiano, Michelangelo e Botticcelli, assim como os pintores contemporâneos, como Caravaggio, voltados ao jogo de luzes e à ambiguidade.
Quando assumiu o trono, em 1580, convidou diversos pintores para trabalharem para o palácio. Entre eles, o belga Bartholomaeus Spranger (1545-1611), o alemão Hans von Aachen (1552-1615), o holandês Dirck de Quade van Ravesteyn (1565-1619) e o suíço Joseph Heintz (1564-1609).
O quarteto forma o corpo principal da mostra, que também tem telas do pintor milanês Arcimboldo (1527-1593), padroeiro dos maneiristas e um dos favoritos de Rodolfo. Suas ``assemblages" pictóricas criam uma zona indefinida entre a natureza morta e a silhueta. Rodolfo era dado a charadas.
Spranger, Aachen, Heintz e Ravesteyn morreram em Praga, à sombra do rei. Viraram nomes quase esquecidos pela história da arte, embora, ensina a mostra, tenham colaborado na sintetização do estilo maneirista.
Por gosto do Habsburgo, eles recriaram o estilo. Em vez da temática cristã, utilizaram as cenas mitológicas greco-latinas, traço renascentista. Diferentemente dos predecessores, os artistas rodolfinos não se intimidam diante do erotismo e carregam nos enquadramentos abstrusos. A luxúria domina até na escolha dos tons quentes e nas sombras dos óleos.
Spranger era o mestre principal do ateliê real. Estudou em Paris e na Itália. Levou Aachen em uma viagem para a Holanda no fim do século 16. Sua influência é Correggio e Parmigianino. Seus quadros, povoados de eunucos, hermafroditas e libertinas, fazem um elogio ao comportamento não convencional.
Em ``Hermafrodita e a Ninfa Salmacis" (1580-82), Spranger pinta uma ninfa de costas. Em ``Vulcano e Maia" (1585), a personagem feminina se projeta para frente, enquanto Vulcano a conduz para a cama. A insistência em colocar o modelo de costas parece ser uma característica do mestre, ou uma preferência régia. Trabalha assim em ``Hércules e Onfale" (1585). Onfale aparece na posição favorita de Spranger, ao lado de Hércules, sentado à cama.
Aachen e os outros seguem o chefe. Todos estudaram na Itália. Heintz e Ravensteyn têm estilos siameses. Ocuparam-se em pintar as cortesãs de Rodolfo como se fossem deusas.
Desses, Aachen era o mais rigoroso. Estudou em Veneza e Munique. Casou-se com a filha do compositor Orlando di Lasso. Trabalhou para Rodolfo a partir de 1596. Ficou famoso na corte pelo uso das cores e a delicadeza dos retratos. Sua tela mais celebrada é ``Júpiter, Antiope e Amor" (1595-98). O deus surge como um fauno que, à sombra, abraça e enlaça as pernas na nua Antiope, sob o olhar de Cupido. A luz é nuançada, como do contemporâneo Caravaggio.
Em ``David e Bathseba" (1612-1615), o caravaggismo de Aachen se faz explícito. David mostra o espelho para Bathseba, que se mira, olhando de viés. ``Baco, Ceres e Amor" (1600) traz outro elogio das sombras e da transparência.
A mostra ensina que o Maneirismo continha um vírus de uma inquietação sexual e ética que seria logo depois abafado pela Contra-Reforma. O voyeurismo de Rodolfo, oculto por seus sucessores, é hoje patrimônio da libertinagem.

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