São Paulo, segunda-feira, 7 de agosto de 1995
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SP recebe mostra multimídia de Man Ray

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Man Ray e Cinema
Onde: Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158, tel. 852-9197, Jardins, zona sul) e Centro Cultural Alumni (r. Brasiliense, 65, tel. 842-3866, Morumbi, zona sul)
Quando: abertura hoje, às 19h (MIS) e às 20h (Alumni)
Filmes: exibição às 19h e 20h30 (aos sábados, também às 14h), até 13 de agosto, no MIS
Entrada: franca

Começa hoje em São Paulo uma mostra multimídia do primeiro artista multimídia da história: ``Man Ray e Cinema", que reúne filmes, fotos, livros, CD-ROMs, documentários e desenhos de e sobre o artista americano.
Mas esqueça o oba-oba que a frase acima pode sugerir. Man Ray (1890-1976) foi multimídia quando isso significava estar à margem -e não como hoje, quando os assim chamados exibem seus sorrisos em colunas sociais.
Os filmes, que serão exibidos todas as noites até o dia 13 no Museu da Imagem e do Som (MIS), são quatro: ``Le Retour à la Raison" (três minutos, 1923), ``Emak Bakia" (22 min., 1926), ``L'Etoile de Mer" (20 min., 1928) e ``Les Mystères du Château du Dé" (25 min., 1929).
Esses filmes, mudos, costumam ser classificados de ``experimentais", isto é, não têm uma narrativa linear nem contam uma história.
São quase como pinturas em movimento, de plasticidade contínua. A presença, também no MIS, de 29 fotogramas ampliados dos quatro filmes reforça essa idéia.
As fotografias estarão em exposição no Centro Cultural Alumni, que está sendo inaugurado com a exposição e é dirigido pela marchande Luisa Strina. São 43 das melhores fotos de Man Ray.
Se são das melhores fotos, obviamente há entre elas bom número de retratos, pois Man Ray foi um excelente retratista, inovador na maneira -constraste forte de tons de cinza, com predomínio do prateado- como deu aos rostos que registrou uma presença física quase tátil, como um celofane.
Artistas e escritores como Gertrude Stein, Pablo Picasso, James Joyce e Sinclair Lewis, a mulher de Man Ray, Juliet, e sua amante Kiki dão o ar da graça nessa mostra. E vieram cinco auto-retratos.
Veio também um desenho -mais um retrato de Juliet. Já no MIS você poderá consultar um CD-ROM, de alta qualidade, em que há imagens de 600 trabalhos de Man Ray, entre os quais outros de seus desenhos charmosos.
Mas a ênfase do evento é no cinema de Man Ray. Ele tinha pé atrás com a chamada sétima arte. Via o potencial do veículo para transportar o espectador a universos paralelos, mas rejeitava o ``cinemão" que nascia nos EUA ainda nos anos 20, cujo padrão até hoje é dominante.
Membro da vanguarda dadaísta e surrealista que agitou Paris naquela década e pregava uma arte que fugisse das convenções naturalistas e mergulhasse no estranho e fantástico, Man Ray quis praticar essas idéias no cinema.
Seus filmes são poéticos, oníricos, impressionistas. Em ``L'Etoile de Mer" (A Estrela do Mar), por exemplo, filmou a beleza de Kiki às margens do rio Sena com um vidro translúcido à frente da câmera, dando-lhe uma indefinição de contornos tocante.
Em ``Emak Bakia" a atmosfera sensual vem da fragmentação e vertigem das imagens: pernas dançando charleston, pés saindo de carros, olhos, a espuma do mar, uma roda de carro em movimento.
Mas, tanto nos filmes mais literais como nos mais formalistas, Man Ray estava dando ao cinema uma consciência que até hoje não se instaurou: a da importância do valor plástico das imagens.
Poucos diretores -apenas René Clair, Marcel Carné, Carl Dreyer, alguns expressionistas alemães como Pabst, todos nos mesmos anos 20- deram relevância a isso.
Desde então, o diretor parece sempre concentrado mais no objeto da filmagem do que na expressão material da tela. É uma caretice só, que tem raras exceções.
Man Ray se dizia, por gozação, ``um diretor de filmes ruins". Mas o que fez, ao lado de outras obras experimentais como a do alemão Hans Richter, tem um lugar na história pela ousadia, por buscar uma linguagem no cinema que ainda mal foi explorada. Man Ray era um renascentista marginal.

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