São Paulo, terça-feira, 8 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reciclagem prioriza valores ecológicos e sociais

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Os designers do país estão redescobrindo algo que os brasileiros de classes econômicas inferiores conhecem há muito tempo: o valor da reciclagem. Presente na tradição popular, a reciclagem pode ser vista nas lamparinas feitas a partir de latas que ainda hoje iluminam casas no interior do país e nas passadeiras de restos de tecido que habitam cozinhas de todo o Brasil.
Mas enquanto a produção popular tem um aspecto essencialmente econômico, as criações de Annette Berliner, Ivone Rigobello, Rosângela Ortiz de Godoy, Nido Campolongo e da dupla Flávio Verdini e Julio Sannazzaro revelam uma preocupação social.
Ao criar móveis e utilitários com material reciclado -papel, sacos de estopa, retalhos, latas, garrafas e até tanques de máquinas de lavar-, estes designers recuperam produtos que foram utilizados e, em seguida, rejeitados pela sociedade.
``A reciclagem diminui o processo de aquecimento da Terra já que poupa uma etapa na confecção do produto. Não dá para trabalhar pensando apenas em você mesmo. Todos temos uma responsabilidade com o coletivo", diz Flávio Verdini, que, com seu parceiro Julio Sannazzaro, produz pufes com tanques de máquina de lavar (já um clássico), luminárias com garrafas coloridas de vidro, cinzeiros com cimento colorizado e vidro de despertador.
Além de ser economicamente viável -reciclar um material consome muito menos energia que produzí-lo a partir da matéria-prima original-, a reciclagem ultrapassa ainda as preocupações ecológicas.
Ivone Rigobello, por exemplo, que produz mantas para sofás com sacos de estopa pintados a mão, procura evidenciar sua preocupação comunitária.
``A reciclagem me liga mais ao mundo. Sempre pesquisei linguagens primitivas e o suporte para o meu trabalho também deveria ter uma carga significativa. É tudo uma questão de coerência. Quero dar um novo uso a algo já usado e fazer com que as pessoas tenham acesso a novos materiais e a novas formas de linguagem", disse.
A também arquiteta Rosângela Ortiz de Godoy trabalha há quatro anos com material reciclado. Em um tear manual próprio, cria tapetes, passadeiras, mantas para móveis e jogos americanos com restos de tecidos, couro e até fios de cobre. ``Faço `catanças' em tecelagens e indústrias. Reaproveito algo nobre, que seria jogado fora, e faço um produto novo", disse.
A designer ganhou no ano passado um prêmio do Museu da Casa Brasileira na categoria têxtil e foi um dos destaques da mostra de designers brasileiros em Milão, em abril último.
Quem também esteve em Milão foi Annette Berliner. Levou à mostra suas pequenas bandejas em ``papier lamé" (um tipo de papel mâché feito com folhas inteiras de papel e não com a massa triturada e cola).
Com uma das mais prosaicas e descartáveis matérias-primas -folhas de jornal- Berliner faz também molduras de espelho e vasos. Alguns podem ser vistos no refeitório da Universidade de Parma, no centro da Itália. ``A opção pelo jornal foi econômica mesmo. Sempre fui apaixonada por papel e não tinha dinheiro para comprar outros materiais", disse.
Apesar de trabalhar há dez anos com papel reciclado, Berliner não é a mais antiga neste setor. Nido Campolongo está envolvido com papel reciclado há 15 anos, há cinco de maneira mais agressiva.
Nido trabalha com papel reciclado industrial, com papel artesanal -reciclado por ele mesmo- e com a reciclagem do uso (materiais que teriam um uso específico ganham novos empregos). Por exemplo: alças de sacolas de papel podem se transformar em tapetes, toalhas ou jogos americanos.
``Vou fundo no papel. Dou a ele novos tratamentos e faço com que assuma outros papéis", disse. Uma prova disso é que, pedido para criar pastas, agendas e material de papelaria de um escritório de advocacia, foi no próprio lixo do escritório para criar toda a linha em papel reciclado.

ONDE ENCONTRAR: Annette Berliner (tel. 011/64-6896), Ivone Rigobello (tel. 011/263-1053), Rosângela Ortiz de Godoy (tel. 011/212-3168), Nido Campolongo (tels. 011/67-0101 e 825-2346), Flávio Verdini e Julio Sannazzaro (tel. 011/65-5848)

Texto Anterior: Carmen foi do getulismo ao capitalismo
Próximo Texto: Exposições refletem sobre a natureza
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.