São Paulo, terça-feira, 8 de agosto de 1995
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"Mãos limpas" no banco dos réus?

CAETANO LAGRASTA NETO

Enquanto os meliantes, pelo menos aqueles grandes, os ``excelentes", mantiveram-se distantes das barras dos tribunais, traficando tóxico e influência, como organização mafiosa, sob a aparência de investidores honestos e criando uma ``república da propina" nas licitações viciadas, todos, todos mesmo, ficaram em silêncio.
Os magistrados do Ministério Público europeu -aqueles que são os juízes de instrução criminal-, também chamados de ``mãos limpas", através de leis excepcionais, ampliam seus poderes e, diversas vezes, detêm, em um mesmo dia e hora, 800 ou mais mafiosos, mantendo-os no cárcere, com resguardo à instituição, à República e aos cidadãos, nada obstante o número de juízes assassinados.
Com a indicação de Berlusconi como primeiro-ministro, o que aconteceu? Evidente que os ``coitadinhos", que estavam sendo sucessivamente detidos, acabaram por se desesperar e, meu Deus!, alguns, talvez os mais frágeis, suicidaram-se!
Chega de ``liberdade" aos juízes! -começaram os gritos surdos, saídos dos salões da ``república das propinas". Sugeriu-se, então, por algum representante da criminalidade multinacional, que havia um ``partido de juízes" e apresentou-se uma lista apócrifa de ``magistrados de esquerda".
Esquecem-se, contudo, os teóricos, de recordar as agressões e assassinatos, a tortura, os sequestros, a guerra suja, fatos que, a seu tempo, com a mídia amordaçada, propiciaram o total desrespeito à ampla defesa e ao devido processo legal.
Assim, na República italiana, estão os magistrados sofrendo férreo questionamento, em um verdadeiro processo stalinista, que pretende impedir que ``pessoas de bem" sejam conduzidas ao cárcere e ao suicídio, devendo ser revogadas as leis que deram aos juízes de instrução poderes absolutos, o que torna supérfluo enaltecer o resultado das investigações, devendo-se, antes, verificar o ``drama" dos investigados e de suas famílias.
Sempre ``em defesa" de um específico e ``devido processo legal", que garanta a sobrevivência farta do mercado de trabalho para alguns advogados, em nome da ``liberdade" e da ``processualística"!
Mas, perguntar-se-á o leitor: o que o Brasil tem a ver com isso? Aqui não temos juizados de instrução, não temos leis que atribuam tais poderes ao delegado de polícia, também aqui não se instalou a república da gorjeta e, por fim, a máfia não é ``cosa nostra", ufa!
Note-se, de início, que, enquanto os indiciados -ainda que injustamente o sejam- chamam-se José ou João Ninguém, de nada adiantam os suicídios ou o desespero de suas famílias, dentro do sistema penal tradicional. Contudo, como negar que, para a erradicação imediata da macrocriminalidade multinacional, são necessários maiores poderes de investigação e sua condução por um juiz, sob pena de a perseguição policial cair no ridículo, como ocorre no Brasil?
Queiram ou não, a instrução criminal prévia, a cargo de um magistrado, de um membro de poder, é elemento de segurança para a cidadania. Desta forma, pergunta-se, seria absurdo pensar que estes juizados somente serão criados se o governo conseguir, antes, que haja um controle externo da magistratura e, se possível, que seus membros passem a ser meros funcionários burocráticos?
Esclarece-se que a atual política daquela República prossegue na quebra da resistência dos juízes, tenta impedir as investigações, persegue seus ``funcionários" (aqueles listados como ``de esquerda") sob a pálida escusa de que formaram um partido e que homens de bem não podem estar sujeitos à discricionariedade de juízes ``ideologicamente malformados".
Mas, ora, e quem disse que os pobres, também homens de bem, devam? Trata-se aqui, à evidência, da constatação sociológica de classe de que alguns, diante da Justiça, pretendem ser melhores do que outros, como nos atuais julgamentos de militares chilenos, em que estes escolhem a forma de cumprir as próprias condenações.
Ao cabo, devemos analisar a ``ameaça" acenada de um controle externo, ``não" -como dizem- ``para São Paulo...", só ``para outros Estados...". Ocorre que, nestes, os governos, do tipo ``coronelato malvado", mantêm ainda o controle sobre advogados, impedindo a punição dos maus juízes, enquanto que aqui o risco é o de tornar qualquer reclamação motivo suficiente para avocar processos.
Juízes não temem controle externo. Juízes devem temer o patrulhamento ideológico, agora confundido com a atividade anticrime que a sociedade sempre lhes cobrou, em uma política mesquinha de resultados, mas que, quando se concretizam, indiscriminadamente, vão incomodar aquela parcela de poderosos acima de qualquer suspeita, e os magistrados pecam, então, porque fazem, quando antes eram acusados de pecar por não fazer...

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