São Paulo, sábado, 12 de agosto de 1995
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Direito de família e psicanálise

RODRIGO DA CUNHA PEREIRA

O advogado familiarista depara-se constantemente com problemas que transcendem os elementos meramente jurídicos. Muitas vezes, o conflito não é somente dessa natureza, embora aparente sê-lo.
É necessário perceber o texto e o contexto do conflito, a linha e a entrelinha do litígio. Se atentarmos para a mensagem inconsciente que nos chega pelo discurso das demandas que geram conflito, poderemos desenvolver melhor nossa atuação como advogados.
A psicanálise remete-nos a elementos e instrumentos que ampliam e fazem entender melhor o discurso do nosso cliente. Freudianamente, é escutar o que está por detrás do discurso ou, como diz Lacan, o que está entre o dito e o por dizer. Por mais que o Direito, através de suas normas, tente alcançar o justo e o equilíbrio das relações familiais, há algo que se lhe escapa, há algo não normatizável, pois essas relações são regidas também pelo inconsciente.
Se fizermos uma leitura atenta de um processo de separação litigiosa, por exemplo, poderemos constatar que toda a discórdia ali instalada é encobridora de outras questões não explicitadas. É uma relação de amor e ódio mal resolvida, ou mal elaborada, que aparece no discurso objetivo, consciente, através daquela manifestação.
Basta raciocinarmos que, em geral, o motivo pelo qual se litiga é sempre patrimonial, material e, portanto, objetivo. Sendo assim, bastaria às partes agirem fria e objetivamente para solucionarem o litígio.
Isso, no entanto, geralmente não acontece, porque questões afetivas e de outra ordem estão misturadas àquilo que deveria ser objetivo e prático.
Um processo de separação deve ser visto por dois ângulos e em duas partes: uma objetiva e concreta e outra afetiva. O nosso trabalho se estende, então, a pontuar essa mistura, a confusão estabelecida pelas partes.
Obviamente, isto não é tão simples, pois as razões apresentadas para o litígio, na percepção das partes, estão, além de contaminadas pela emoção, geralmente encobrindo um outro discurso. O advogado deverá desmontar o discurso da aparência para que surja o verdadeiro motivo do litígio, já que somos, como os psicanalistas, também profissionais da escuta.
Como Freud observou, as relações sociais mais íntimas são justamente as que mais estão sujeitas à eclosão de conflitos. Amor e ódio, por exemplo, nem sempre são excludentes, apenas se polarizam. Nós amamos e odiamos. Assim é a natureza humana, assim são os vínculos familiais. É certo que a família hoje está diferente. A sua transformação é a reivindicação de ampliação do espaço da liberdade das pessoas.
O Direito de Família e os instrumentos processuais utilizados precisam ser renovados e atualizados para adaptarem-se a este novo tempo. Precisamos repensar alguns paradigmas. Podemos também buscar na psicanálise ajuda para compreender e desenvolver melhor nosso trabalho. Mas estas mudanças devem começar, antes dos instrumentos processuais, pelos próprios profissionais, quando começarmos a considerar o discurso inconsciente que ``revela" o algo mais de que tanto necessitamos para desempenhar melhor e mais eticamente nossas funções.
Consequentemente, estaremos contribuindo para a melhoria das relações humanas.

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