São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As previsões do Ipea

CLAUDIO MONTEIRO CONSIDERA

O Ipea faz previsões econômicas há muitos anos, baseadas em modelos de séries temporais. Há cerca de oito anos, decidiu publicá-las nos seus ``Boletim e Carta de Conjuntura", o que vem sendo feito sistematicamente a partir de então.
Recentemente, empreendemos um levantamento histórico de nossas previsões, comparando-as com os resultados efetivos dos anos de 1991 a 1994. Adicionalmente, comparamos também nossos resultados com os de uma firma privada (firma M), que realiza previsões com base em modelos estruturais e as divulga sistematicamente em suas publicações, destinadas aos seus clientes.
Essa comparação permitiu constatar: (a) - o erro absoluto médio mensal das previsões de ambas as instituições foi bem pequeno: 0,5% em 1991, 1,6% em 1992, 0,8% em 1993 e 1,4% em 1994; (b) - o erro médio do Ipea é semelhante ao da mencionada firma ao longo daqueles anos; e (c) embora se tenha, para efeito de comparação, calculado o erro médio absoluto, o Ipea errou sistematicamente para baixo, enquanto a firma M em questão errou sistematicamente para cima.
O que está dito acima é que quem faz previsão necessariamente erra; a questão é saber o tamanho do erro ``a posteriori". Ninguém tem bola de cristal ou métodos infalíveis de previsão. Nesse tipo de tarefa a tradição, a transparência dos métodos de previsão e a sistemática avaliação dos resultados é que darão à instituição respeitabilidade e credibilidade.
A respeitabilidade do Ipea nessa área é incontestável e aparece de várias formas: através do respeito de seus pares na área acadêmica; de publicações técnico-científicas e relatórios oficiais de instituições internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outras; de publicações de instituições privadas nacionais e internacionais; das visitas de consulta dos técnicos dessas instituições; e, finalmente, mas não menos importante, por meio da exposição que nossas análises de conjuntura tem na mídia nacional.
Não há semana que não seja divulgada em jornais, rádios e televisões diversas notícias e análises de conjuntura do Ipea. Tudo isso acontece a despeito de ser o Ipea um órgão do governo. Em outras palavras, há um reconhecimento público generalizado de que fazemos análise econômica e não propaganda.
Nas poucas vezes em que o Ipea foi acusado de errar demais nas suas previsões, as críticas referiam-se a erros viesados para o pessimismo; isto é, um órgão do governo anunciava previsões que, na visão de alguns analistas econômicos, eram demasiadamente pessimistas. Até mesmo o atual presidente da República disso se queixou recentemente, segundo noticiário amplamente divulgado (e com razão, como se viu anteriormente).
Qual não é a nossa surpresa ao sermos, agora, acusados de otimismo exagerado, com o objetivo de querer agradar o governo. Teríamos sido cooptados pelo governo, como se não fôssemos um órgão de governo, onde todos os funcionários são servidores públicos. De fato, o próprio uso da expressão dá uma certa dimensão da imagem de independência que o Ipea, justamente, tem.
As previsões que deram origem a essa acusação de exagerado otimismo, da parte de uma minoria, referem-se às previsões de produção industrial e do Produto Interno Bruto (PIB). No início do ano, previmos o crescimento do PIB do primeiro trimestre em pouco menos de 9% e o resultado efetivo foi de 10,3%; falhamos para menos na previsão do comércio.
Estamos agora estimando que no primeiro semestre o PIB cresceu 7,7% e prevendo que o resultado do ano será de mais 6,2%. Estamos claramente prevendo uma desaceleração do crescimento, cuja taxa, se comparada com a do primeiro trimestre, será 4 pontos de percentagem inferior.
Essa desaceleração é intenção explícita do governo e vem sendo defendida pelo Grupo de Acompanhamento Conjuntural (GAC) do Ipea desde o início do Plano Real, já que, ao contrário dos que previam recessão, tínhamos certeza da explosão de crescimento que a estabilização provocaria.
A explicação para a desaceleração da economia encontra-se nas restrições monetárias e creditícias impostas desde outubro de 1994 e aprofundadas a partir de abril do corrente. Como tal, em termos de produção, essas medidas atingem inicialmente o desempenho da indústria, carro-chefe da economia brasileira.
Segundo os resultados até agora divulgados, a indústria apresentou na série dessazonalizada (que pode ser usada para apontar a tendência) forte crescimento (18,7%) no segundo semestre de 1994, parou de crescer de janeiro a abril de 1995 e sofreu forte queda nos meses de maio e junho (-13,1% em relação a dezembro/94, se descontamos a greve da Petrobrás).
A despeito dessa tendência declinante, a indústria apresentou um forte crescimento (9%) de janeiro a junho, comparando com igual período do ano anterior, mas, devido à tendência, prevemos que chegará ao final do ano com uma taxa inferior (7,2%).
A produção de lavouras, segundo a previsão de safra do IBGE, voltará a ser recorde, crescendo 1,5% em relação à safra do ano passado e, somada à produção animal, fará, segundo nossa previsão, com que o produto agropecuário cresça 4%.
Os serviços, que são reflexo dos dois setores anteriores, segundo nossas previsões deverão crescer 5,9%, taxa inferior aos 7,3% que estimamos que tenham ocorrido no primeiro semestre.
Qualquer pessoa com acesso às previsões de entidades privadas brasileiras e estrangeiras, agrupadas e divulgadas, por exemplo, na revista inglesa ``Latin American Consensus", de junho de 1995, vê que nossas previsões para o crescimento do PIB este ano (6,2%) estão pouco acima da média das 14 entidades lá listadas (5,4%) e que os extremos das previsões são 4% e 8,2%.
Como é possível acusar ao Ipea de otimista? Ou estamos todos em complô, cooptados, querendo agradar ao governo brasileiro ou, então, os que nos acusam de assim proceder não têm prestado atenção às previsões de outras respeitáveis instituições.
Sem dúvida, para nós, a atividade econômica está desacelerando (há analistas econômicos que duvidam disso e a grande maioria não se arrisca a prognosticar quanto), como aliás é intenção declarada do governo, face aos riscos que o crescimento desenfreado do início do Plano Real traria para a estabilização e para o equilíbrio do balanço de pagamentos.
Não errar na dose, evitando assim um recessão, que definimos como queda de renda per capita, é o principal desafio da política econômica. Nesse sentido, os jornais começaram há duas semanas a noticiar algumas medidas visando afrouxar o garrote monetário, como a queda na taxa de juros e o alongamento do financiamento de carros.
A recessão não interessa a ninguém, mas o crescimento tem que ser compatível com o equilíbrio macroeconômico para que não voltemos ao trinômio crescimento rápido, aceleração inflacionária e recessão longa, que caracterizou a perdida (-5,4% de renda per capita) e longa "década" (13 anos) de 80.

Texto Anterior: Internet causa frenesi na Bolsa de Nova York
Próximo Texto: O sigilo fiscal e o achaque
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.