São Paulo, domingo, 13 de agosto de 1995
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O sigilo fiscal e o achaque

LUÍS NASSIF

Vamos a um exercício de lógica simples sobre o sigilo bancário.
1) Existem fiscais da Receita inescrupulosos?
Assim como existem fiscais corretos, empenhados em moralizar o órgão, existem os corruptos, ainda mais em uma estrutura que foi contaminada durante largo período por interferências políticas de toda espécie.
2) Se, por uma razão qualquer, um fiscal autua um contribuinte, pessoa física ou jurídica, e este recorre à Justiça, quanto tempo esta levará para definir quem tem razão?
Pela tradição brasileira, uns cinco anos.
3) O simples fato de estar processando ou sendo processado pela Receita torna o contribuinte culpado?
Evidentemente que não. A culpa ou inocência depende do julgamento final.
4) Mas, se o nome do contribuinte aparecer na imprensa, como estando processado ou processando a Receita, qual a leitura que será feita pela opinião pública?
Listas são publicadas periodicamente na imprensa, de processos em andamento, como se todo contribuinte processado ou processando a Receita fosse vil sonegador, com culpa formada.

Roteiro básico
Sobre esse cenário, imagine o seguinte roteiro: um fiscal inescrupuloso, que decide achacar um contribuinte correto com uma autuação sem base legal.
Se o contribuinte não deve nada e se julga com razão, irá resistir ao achaque e se defenderá na Justiça. O máximo que ocorrerá com ele será arcar com honorários advocatícios e as custas judiciais. E com cinco anos de aporrinhação.
Mas, aí, o fiscal inescrupuloso saca de seu arsenal de achaques. Sugerirá ao contribuinte que seu nome será ``vazado" para os jornais, aparecendo em lista de sonegadores. Depois, mesmo indevida, a autuação se transformará em inquérito, que será remetido ao Ministério Público Federal. De lá, para a Polícia Federal.
Na PF, será uma festa. Mesmo que o contribuinte esteja coberto de razão, não terá como se defender se o delegado intimá-lo e a todos os nomes relevantes que constarem da peça do inquérito, a deporem na delegacia.
Cada visita à delegacia será uma festa, documentada por jornais e televisões de todo o país. O contribuinte terá que arcar com o desgaste da sua imagem vilipendiada e de todos os seus parceiros comerciais.
Quem vai resistir a tamanho risco?
Por isso, o parlamentar de oposição que dá guarida a denúncias que rompem com o sigilo fiscal e o jornal que publica extensas relações de nomes de contribuintes com processos em andamento acabam sendo ambos cúmplices de esquemas de achaques. Ou não?
Ficou mais claro porquê o sigilo fiscal é matéria constitucional?

Caso Dallari
Obviamente, o que foi exposto nada tem a ver com o caso do secretário de Acompanhamento Econômico, José Milton Dallari, que, ao que tudo indica, foi vazamento com motivação política. Mas são casos como os de Dallari que abrem espaço para a indústria de achaques que continua em vigor, apesar do quase heroísmo com que associações de fiscais procuram coibir sua ação.
O exposto, obviamente, não isenta Dallari da obrigação, até para com sua biografia, de divulgar a relação de sua carteira de clientes de seis meses antes de sua posse até hoje. O mesmo vale para todos os membros da equipe que participam ou participaram de escritórios de consultoria até vir para o governo.
Não são meros contribuintes. São homens públicos.

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