São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 1995
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O que houve e não há

JANIO DE FREITAS

A pergunta perdeu depressa a originalidade, repetida ontem, com variações apenas formais, por vários políticos e empresários, mas preservou sua qualidade desenganadora: se o acerto em torno do Banco Econômico foi nas condições que o presidente e o governo agora divulgam, por que a diretoria do Banco Central se demitiu, em recusa coletiva ao acordo?
A nova versão do governo é compreensível, como recurso ditado pelo susto com o alcance de sua desmoralização. A simples sequência dos fatos, porém, expõe a pobreza da versão para confrontar-se com as evidências deixadas pelo próprio governo.
Vale a pena um resumo. Durante toda a semana passada, o economista Daniel Dantas, do banco de investimentos Opportunity, conversou com dirigentes do Banco Central e também com o ministro Pedro Malan sobre a fórmula que idealizou para o problema do Econômico e para a qual foram feitos esquemas jurídicos no governo da Bahia. Na segunda-feira desta semana, já por volta da meia-noite, depois do jantar do Gatt, foi o próprio presidente Fernando Henrique que recebeu Daniel Dantas para conversar sobre a fórmula. Participaram do encontro também Clóvis Carvalho, ministro do Gabinete Civil, e Gustavo Loyola, presidente do Banco Central.
Neste encontro a fórmula foi aceita. Para formalizar a aceitação, foi acertada a visita do deputado Luís Eduardo Magalhães ao presidente na manhã de terça, quando todas as expectativas estavam voltadas para o discurso prometido pelo senador Antônio Carlos Magalhães para a tarde. Em vez do discurso, no encontro de Luís Eduardo com Fernando Henrique, ficou combinada a visita, na mesma tarde, de Antônio Carlos ao presidente.
O senador fez um acréscimo ao programa: com ele iriam parlamentares da bancada baiana no Congresso, ``para agradecer ao presidente". A cena foi amplamente exibida, como se para abrir o caminho à segunda pergunta desenganadora: se não estivesse aceita a fórmula baiana, a bancada da Bahia iria a Fernando Henrique, como foi, para agradecer o quê?
No artigo aqui publicado quarta-feira, sobre o acordo da véspera, ficou registrada a resistência havida no Banco Central. Foi esta a resistência que envolveu Gustavo Loyola na noite de terça-feira, a partir de dirigentes do BC inflamados pela veloz repercussão negativa do acordo. O grupo reverteu a posição de Loyola, que aderiu à demissão coletiva da diretoria do BC, logo comunicada a Pedro Malan recém-chegado às pressas de Buenos Aires.
Fernando Henrique tomou conhecimento da repercussão do acordo no jantar oferecido ao presidente de Angola. Mas não era tudo: ali mesmo, pouco depois, soube do problema com a diretoria do BC. Já noite alta, recebeu-a no Alvorada, com a presença de Malan, quando foi informado da inflexibilidade dos demissionários. Esta retirada coletiva, em seguida ao acordo de eco já tão corrosivo, produziria um escândalo de proporções e consequências incalculáveis. Nasceu aí, para evitar a demissão coletiva, a versão de que o acordo não era o que foi divulgado. Ou, dito com letras devidas, que não tinha havido acordo, mas, sim, condições impreenchíveis pelo governo da Bahia.
Certa dose de chantagem é ingrediente comum na política. O discurso prometido por Antônio Carlos Magalhães correspondia a esta dose. Mas a ameaça de demissão coletiva da diretoria do Banco Central não sujeitou Fernando Henrique a situação diferente. E não torna mais verdadeira a versão presidencial e governamental para o acordo que houve e não há.

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