São Paulo, sexta-feira, 18 de agosto de 1995
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A outra face do caso Dallari

MAILSON DA NÓBREGA

O pedido de demissão do secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Milton Dallari, merece ser analisado também por sua face menos noticiada: o vazamento de informação sigilosa obtida em processo fiscal.
Sempre tive Dallari em boa conta. Não sei se ele é culpado ou inocente neste caso. Somente um julgamento justo vai dizê-lo. Questiono, entretanto, a forma como a opinião pública tomou conhecimento do caso.
É lamentável, depois da vitória na luta pelo restabelecimento do estado de Direito, que assistamos a atos de barbárie jurídica, pelos quais funcionários decidem, de moto próprio, quebrar o sigilo fiscal de contribuintes ou expor cidadãos à execração pública.
A semelhança com situações anteriores é enorme. O vazamento ocorreu depois que o relatório da Receita Federal estava em poder de várias pessoas. Logo em seguida, um parlamentar do PT surgiu com os recibos.
A divulgação foi, mais uma vez, bem urdida. A suspeita pode ser diluída entre várias pessoas. A honra do sujeito visado foi instantaneamente conspurcada. Como em Orwell, o "grande irmão fez a história a seu talante.
As denúncias, tal como divulgadas, configuram objetivo político indisfarçável: atingir Dallari ou, por tabela, outras pessoas do governo. Por seus efeitos, caracterizam assassínio de caráter. Ainda que se venha a concluir por sua culpa, somente um juiz poderia ter autorizado a divulgação.
O direito à privacidade e ao sigilo de dados são conquistas inalienáveis do cidadão. Todas as democracias o preservam. No mundo inteiro, a Justiça o tem reiterado em memoráveis decisões. Sua violação é própria das ditaduras e dos tiranos.
No Brasil, a Constituição estabelece, em seu artigo 5º, inciso 10, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
A garantia da inviolabilidade da vida privada e de dados não pode ser excepcionada sem a observância do que os advogados denominam "due process of law. Noutros países, os acusados são "suspeitos até o pronunciamento da Justiça. Foi o que ocorreu com Jack Ruby, mesmo que os telespectadores o tivessem visto matar Lee Harvey Oswald em frente das câmaras.
O episódio Dallari poderia ser usado para um debate sério em torno desse e de outros temas. Por exemplo, valeria avaliar o risco, para o cidadão, das recorrentes propostas de quebra do sigilo bancário por autoridades fazendárias e previdenciárias.
Caberia também discutir a ida de profissionais do setor privado para o governo e a participação de burocratas em empresas após sua saída do serviço público. Uma abordagem responsável da matéria poderia melhorar a legislação específica e inibir insinuações maledicentes contra gregos e troianos.
Acima de tudo, como lembrou recentemente o professor Eduardo Giannetti, basta de esquecimento. Casos como esse precisam ter consequência. É preciso descobrir de quem é a culpa, se do acusado ou dos que o denunciam levianamente.
A impunidade precisa ter um fim. A investigação eficiente e a punição exemplar são os antídotos certos contra a corrupção, a denúncia irresponsável, a calúnia e a difamação.

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