São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Controle do Judiciário, não do juiz

DYRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JUNIOR

Tem o ministro Nelson Jobim preconizado como necessários a uma verdadeira reforma do Judiciário o controle externo, as súmulas vinculantes (que não permitiriam ao juiz interpretar a lei senão no sentido firmado pelos tribunais) e a avocatória (que retiraria o processo do juiz para que um tribunal superior decidisse).
As duas últimas, verdadeiras formas de ``controle interno", interferindo diretamente na liberdade de decidir, não responderiam aos interesses da sociedade, mas aos de elites econômicas e governos que pretendem restringir as decisões de certos conflitos, sobretudo os que interessem à ``governabilidade", aos órgãos de cúpula do Judiciário.
As súmulas da jurisprudência dominante hoje, embora não vinculantes, são, em regra, respeitadas. Mas este prestígio não deriva da autoridade que se poderia imaginar tenha um tribunal sobre juízos inferiores. Advém de ser a súmula produto final de discussões desenvolvidas nas bases do Judiciário ou, como diria Roberto Lyra Filho, a resultantes mais visível da ``síntese jurídica" de um processo dialético que faz do direito um constante vir-a-ser.
Não se pode inverter este processo. Quanto ao controle externo, a história é outra.
O Estado moderno, por seus poderes formais, se manifesta basicamente preenchendo duas funções: de governo e de controle deste. Ademais, a fiscalização da atividade pública não é exclusividade da classe política, dela devendo participar a sociedade civil.
No caso do Judiciário, não se trata de controlar ``a magistratura" (corpo de juízes), mas ``o Judiciário" enquanto estrutura de poder que administra um complexo de relações no Estado democrático.
Ingerências externas na jurisdição seriam, de fato, perversas. Mas se prevalecer a visão democrática não há motivo para temor. O projeto do deputado José Genoíno, mesmo com certas modificações, seria bom. Defina-se nele o conteúdo da expressão ``se pronunciar" (significaria "decidir ou ``opinar"?), extraia-se a possibilidade de poder direto sobre os juízes, refaça-se a composição dos conselhos para que o Judiciário neles não se represente pelas cúpulas dos tribunais (o objeto do controle) e teríamos um projeto que não estaria desvirtuado em seus propósitos.
A meu ver, a intervenção do órgão fiscalizador poderia se dar, basicamente, de duas maneiras.
Pela primeira, não funcionaria como instância decisória, mas investigativa e propositiva, como um ``ombudsman", a zelar pela transparência dos procedimentos internos (inclusive os de faltas funcionais, promoções e remoções de magistrados), nos quais será vedada sessão ``secreta" ou ``reservada", de maneira a evitar a proteção corporativista ou o desvirtuamento do interesse público.
Pela segunda, teria atribuições decisivas no traçado das linhas mestras das políticas judiciárias, para tornar a justiça mais moderna, eficiente e acessível.
Em nível jurisdicional a adequação do Judiciário à sociedade moderna exige a formação de uma cultura jurídica interdisciplinar, com especial introdução da visão sociológica, o que não é tão simples e depende de reformulação das escolas de magistratura.
No que se refere à administração da estrutura de poder, porém, o órgão de fiscalização externa, desde que bem delimitado seu âmbito de atuação e adequada sua composição, seria um bom começo para iniciar uma reforma.

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