São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Cinco horas resgatam elegância de Resnais

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filmes: Smoking/No Smoking
Produção: França, 1993
Direção: Alain Resnais
Elenco: Pierre Arditi, Sabine Azéma
Onde: a partir de hoje na Sala Cinemateca

Juntas, as duas partes que formam o conjunto "Smoking/No Smoking" somam 285 minutos ou seja, 4 horas e 45 minutos. A audácia pode não espantar quem já conhece os filmes de Alain Resnais, mas parece ter assustado os exibidores.
Resultado: só agora -após um discretíssimo lançamento em vídeo- é resgatado e exibido em São Paulo pela Sala Cinemateca. A rigor, é justo entrar no cinema com um pingo de desconfiança. Mesmo que não seja preciso ver o filme em uma ordem precisa (é indiferente começar por "Smoking" ou por "No Smoking"), o espectador vai preparado para uma maratona.
Passados os primeiros momentos, no entanto, a prevenção se dissipa. Estamos frente a um jogo em que estão envolvidos oito habitantes de uma cidadezinha inglesa.
O lugar central é a varanda da casa de Toby Teasdale, alcoólatra e diretor da escola local, e sua infeliz mulher Celia. Em "Smoking", Celia opta (segundos após o início do filme) por fumar e recebe a visita do jardineiro Lionel, namorado da empregada da casa, Sylvie.
Cinco dias depois, a história se bifurca. Numa das hipóteses, o jardineiro se apaixona por Celia. Na outra, ele critica Sylvie por sua ignorância e a moça começa a ter aulas de literatura com Toby.
Cada uma dessas hipóteses gera novas narrativas, que se desenrolam cinco semanas depois. Numa delas, Celia abandona Toby e faz uma sociedade com o jardineiro. Em outra, sai em férias com o marido, em busca de uma reconciliação. E assim por diante.
Na série "No Smoking", Celia opta por não fumar. Entram em cena, então, Miles, o melhor amigo de Toby, e sua mulher Rowena, a malfalada da cidade (veja no quadro "O Leque de Resnais" todas as hipóteses desenvolvidas).
Todo este jogo formal foi concebido originalmente pelo dramaturgo britânico Alan Ayckbourn. Era um conjunto de oito peças que não chegou a ser montado integralmente. Resnais suprimiu dois dos episódios, sem abandonar, no entanto, a essência teatral: usou só dois atores nos vários papéis e filmou em estúdio, enfatizando a artificialidade da cenografia.
Nada disso espantará os fiéis do cineasta francês. O primeiro espanto vem, sim, da capacidade de unir os jogos formais arrojados e obsessivos (de que "O Ano Passado em Marienbad", de 1961, é o exemplo mais radical), a uma observação do humano que se tornou, com o tempo, mais sensível.
À medida que "Smoking/No Smoking" abre seu leque de opções, o espectador se vê diante da questão da escolha. Cada segmento é interrompido por uma cartela com a inscrição: "Ou então...".
Daí por diante, o filme passa a mostrar o que teria acontecido se um personagem tivesse optado por tal caminho, e não por outro.
O segundo espanto vem de, de repente, o espectador perceber (quem embarcar na viagem, é claro) que passou quase cinco horas com os olhos grudados na tela, vendo e vivendo um teatro de destinos possíveis que terminam, invariavelmente, cinco anos depois, no cemitério atrás da igreja local.
Cinco horas em que Resnais desenvolve as qualidades conhecidas: o cuidado, a elegância, a segurança na condução dos atores (notáveis, por sinal) e no conjunto da encenação (a fotografia e a cenografia também são primorosas).
"Smoking/No Smoking" é um filme -ou uma dupla de filmes, se se preferir- que mexe com esses dois universos tão opostos, mas tão misteriosamente íntimos quanto o dos fumantes e não fumantes: o homem e a mulher. Em face dele, duas decisões são difíceis. A primeira é entrar no cinema. A segunda é sair antes de a segunda parte terminar.

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