São Paulo, sábado, 19 de agosto de 1995
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Pontos de exclamação

Carlos Heitor Cony
RIO DE JANEIRO - Passo a maior parte do meu dia de trabalho nas mesmas salas que serviram de último gabinete de JK, aqui no Rio. Em uma dessas semanas recebi a visita do coronel Affonso Heliodoro, que acompanhou o presidente desde os tempos de prefeito da capital mineira. Depois de botarmos os assuntos em dia, levei-o até o elevador. Ao passar pela porta, vendo a placa assinalando a homenagem a JK, ele parou, e percebi sua emoção. Apertei sua mão e também fiquei comovido.
Sozinho, fui a um dos armários onde ainda restam alguns papéis do tempo de JK. Em um velho caderno encontro apontamentos de próprio punho do presidente. São comentários sobre as crises militares no início de seu governo. Além de ter a sua posse combatida por esquemas golpistas (foi necessária a deposição de dois presidentes -Café Filho e Carlos Luz- para que se cumprisse a vontade das urnas), JK teve duas sedições que poderiam ter provocado uma guerra civil.
A Constituição em vigor, a de 1946, tornava quase impossível um governo presidencialista: fora feita contra a hipótese de um Executivo forte, a fim de evitar um novo Vargas. Apesar de todas essas dificuldades, JK foi em frente e começou a trabalhar. Transformou o Brasil em um canteiro de obras. Gerou empregos e deu seguimento ao parque industrial que Vargas iniciara.
Tornou-se uma referência eleitoral para os que vieram depois. Tancredo, Collor e FHC prometeram repetir seu dinamismo. Tancredo morreu antes de assumir. Collor não deslanchou. FHC, oito meses depois da posse, continua candidato, preocupado com a reengenharia de um Estado que nunca chegará ao estágio de arte final.
Lembro um artigo de Fausto Cunha sobre um livro de Gilberto Amado. O crítico desancou a obra, reduziu-a a pó. Mas fez uma ressalva: ``Que pontos de exclamação!" O governo de FHC está ficando parecido com esse livro. Um nada. Mas que pontos de exclamação!

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