São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Agosto outra vez

JANIO DE FREITAS

A hora era a mais imprópria, mas a insistência do leitor venceu. Começou por uma apresentação dos seus poderes videntes, que parecia ir longe nos exemplos, mas cedeu à minha pressa: "Olha, uma pessoa perto do presidente tem uma carga negativa muito grande. O nome é fulano. Avise a ele. Não deixe de avisar". Em vez de carga negativa, usou uma expressão que suponho mais especializada. Ignorante também nessa área, não a memorizei.
Não sei até onde vão as crenças do presidente, nem se param na sua fé no neoliberalismo. Por mim, vidente que me escolhe para um recado ao presidente não tem futuro na profissão. Está pior com os astros do destino do que eu com as estrelas do governo. Esqueci o telefonema por uns dias. Ou, mais precisamente, até que há pouco me ocorreu uma constatação: com Fernando Henrique, agosto voltou a ser agosto.
Era mesmo o mês do azar governamental, todas as crises ameaçadoras explodiam nele. O desfecho podia acontecer logo ou mais à frente, mas a origem estava lá: agosto. Não sei a partir de quando, agosto se vulgarizou, caiu no desprestígio dos meses que se repetem, insossos todos, sem que jamais alguma coisa mude neste país insosso. Está aí, já ninguém dirá que em oito meses Fernando Henrique nada fez: reabilitou agosto, devolveu-lhe a natureza de terremoto do calendário.
A quantidade de mancadas que os chefões do governo deram neste mês, uma atrás da outra, nenhum vidente preveria. E não parecem esgotadas. Esta última, de pagar aos credores estrangeiros do Econômico, enquanto prorroga a retenção dos restinhos de salários e aposentadorias que sobravam no banco, para dar sobrevida, no final do mês, já nem compromete moral e civicamente só o presidente e seus luminares.
O caráter subalterno da decisão atinge a dignidade do próprio país. O presidente pode fazer o que quiser com a sua, determinando o pagamento lá fora, apenas 24 horas depois de dizer, aqui dentro, que o governo não poria um só tostão no Econômico. Pode pôr, e nesta semana vai pôr, mais dinheiro público no banco furado. Mas nem o agosto azarado justifica a ausência do pequeno e fácil esforço para convencer os credores estrangeiros de que receberiam, sim, apenas esperando um pouco mais -com os juros de sempre. Já de outras vezes eles esperaram muito mais, aguentaram bem até mesmo a moratória de Sarney. Ainda mais agora, quando estão recebendo o presente da privatização do petróleo e das comunicações, a abertura do transporte marítimo nacional a empresas estrangeiras, o pagamento em dia e escorchante da dívida externa. Não havia necessidade da demonstração internacional de subalternidade, de servilismo mesmo. E do que valem, para o governo, as aflições de brasileiros.
O vidente errou de intermediário e errou na identificação de um azarado-mor. Não há azar. Há outra coisa muito pior.

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