São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Emagrecedor inicia mulheres nas drogas

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A maior parte das mulheres dependentes de drogas começa tomando remédios para emagrecer ou tranquilizantes. Ainda adolescentes, elas descobrem que a mistura dos comprimidos com o álcool ``dá barato". O primeiro contato com as drogas mais pesadas (haxixe, cocaína, heroína) se dá por volta dos 20 anos de idade.
As conclusões aparecem em um estudo realizado pela psiquiatra Mônica Zilberman, do Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, que atende cinco novos casos de mulheres dependentes por mês. Ela diz que essas mulheres começam pelos remédios porque eles são mais acessíveis. ``É muito fácil conseguir uma receita de moderador de apetite ou calmante."
Quem é viciada, ou já foi, concorda. ``Comecei a tomar anfetamina aos 11 anos. Tinha acabado de menstruar pela primeira vez, estava gorda e consultei um endocrinologista -ele receitou Obesil. Ficava ligadíssima", conta a atriz Grace Gianoukas, 30, que mais tarde ficou viciada em cocaína (leia texto ao lado).
Zilberman descobriu ainda que as mulheres são fisicamente mais sensíveis às drogas do que os homens por causa da distribuição de água e gordura no corpo. Elas também têm mais chances de se tornar dependentes quando já há casos na família.
A assessora comercial Marta Helena Reis, 41, foi dependente de cocaína dos 20 aos 37 anos. Ela começou tomando tranquilizante na adolescência. ``Meu pai era alcoólatra e minha mãe sempre tomou muito remédio."
Nesses quase 20 anos de dependência, houve mais altos do que baixos. ``Eu era bonita, inteligente, o máximo", recorda Marta.
Ela conta que ia a festas todos os dias, frequentava bares e muitas vezes acordava com estranhos na cama. ``Não peguei Aids porque Deus foi legal comigo." Os especialistas dizem que o drogado tem uma moral própria, que ele adapta ao seu ritmo de vida.
``Já tive paciente que se prostituía para conseguir a droga", diz o psiquiatra Jorge Cesar Figueiredo, 43, diretor do Vitoria Centro de Recuperação, uma clínica de reabilitação de dependentes no Embu.
O delito aumenta de acordo com a necessidade do viciado. ``Roubei muito toca-fitas e facilitava informações no meio da bandidagem", diz a ex-estudante de Direito Rossana Lopes, 23, que circulava livremente entre traficantes. Ela diz que começou a consumir cocaína por causa da campanha antidrogas.
``Em vez de me desencorajar, aquela história de `Diga Não às Drogas' me deixou curiosa." Ela bebeu muito dos 13 aos 15 anos, após se submeter a um tratamento psiquiátrico e acabou substituindo o álcool pela cocaína. Chegava a injetar cinco gramas da droga na veia por dia.
Abstinente há quatro meses, Rossana ganhou da clínica o ``cartão ouro", que dá direito a sair para passear na cidade, mas ela tem medo de acabar procurando traficantes. ``É um medo saudável."
Rosana e boa parte das ex-viciadas ainda se consideram muito vulneráveis às drogas. ``Não há prazer como o que a droga proporciona" , diz a técnica de som e empresária Márcia M., que começou fumando maconha e cheirando desodorante, na adolescência, mas, aos 21 anos, se apaixonou pela heroína.
``Gosto de drogas depressivas", diz M., que se auto-define uma pessoa ``speed" (acelerada). Ela preferiu ocultar seu sobrenome por causa da família. ``Todo mundo sabe do meu problema lá em casa, mas ninguém comenta."
O relacionamento de Márcia com os pais sempre foi difícil. A mãe dela vivia procurando entre suas companhias o responsável pelo seu ingresso naquela vida. ``A má companhia sou eu", dizia. M. diz que ninguém precisa ser louco para se drogar. ``A maior loucura não é ir, mas voltar."

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