São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Perigo para as finanças estaduais

OSIRIS LOPES FILHO

Na reunião dos governadores, realizada na semana retrasada, em Belo Horizonte, o governo federal finalmente iniciou o desvendar do seu pacote tributário.
No clima de magia, dotado como sempre de algum hermetismo, que tem caracterizado todo o processo preparatório de reforma tributária, a trindade ministerial -Serra, Malan e Jobim- anunciou uma proposta, cujo objetivo é desonerar do ICMS toda a exportação realizada pelo país.
Pretende-se que o ICMS não incida sobre a exportação dos produtos semi-elaborados. Tais produtos são os oriundos do setor primário da economia, da produção agropecuária e do extrativismo vegetal e mineral. São produtos submetidos, no máximo, a processo de beneficiamento, sem que se obtenha espécie nova, o que configuraria industrialização, por transformação.
Para compensar a perda de arrecadação dos Estados de economia apoiada no setor primário, prometeu o governo indenizá-los por meio de um fundo, cujos recursos adviriam dos impostos de Importação e de Exportação.
A tendência histórica indica que haverá um constante crescimento das exportações de produtos semi-elaborados e, portanto, uma consequente perda adicional de arrecadação do ICMS, se vingar a fórmula do governo federal.
O Imposto de Importação a cada ano tem perdido sua importância arrecadatória. Com o predomínio da política liberalizante nas importações, quebrado o seu ritmo apenas por estertores de crise cambial, a realidade consiste numa progressiva diminuição do seu nível tarifário e, por consequência, a deterioração de suas receitas. A arrecadação do Imposto de Exportação é insignificante. Tudo indica que o fundo será deficitário. Daí dever-se prever novas fontes de receita para fortalecê-lo.
A Constituição de 1988 estabeleceu duas regras fundamentais para a proteção das finanças estaduais. Realizou a distinção entre produtos industrializados e semi-elaborados. Para os primeiros continuou vigente a imunidade do ICMS. Todavia, os semi-elaborados estão submetidos à incidência do ICMS (art. 155, parágrafo 2º, inciso 10, alínea "a da CF).
E destinou 10% da arrecadação do IPI, para compensar o esforço de exportação dos Estados, Distrito Federal e municípios, de sorte que 7,5% fiquem com os Estados e 2,5% com os municípios, proporcionalmente às suas participações na exportação de produtos industrializados (art. 159, inciso 2, parágrafos 2º e 3º da CF).
Acreditar na proposta governamental exige fé. Fé removedora de montanhas. Já as finanças estaduais exigem segurança do recebimento de suas receitas a tempo e a hora. Sem interrupções, manobras ou negociações.
Está em jogo o destino dos Estados menos desenvolvidos, onde a população é predominantemente pobre e carente de serviços públicos. Deve-se evitar causar-lhes crises financeiras traumáticas.
Por isso, animei-me a fazer uma sugestão em artigo anterior. Mantenha-se a tributação do ICMS sobre os produtos semi-elaborados destinados à exportação e o fundo a ser criado sirva para ressarcir os exportadores do ICMS pago aos Estados pela exportação realizada.
A vantagem dessa sugestão é a transparência orçamentária. As isenções e imunidades concedidas dentro da técnica do imposto não são visíveis à coletividade e nem sempre dimensionáveis.
Entretanto, quando o favor fiscal é concedido como despesa do ente público, torna-se visível e quantificável, o que facilita avaliar o custo de oportunidade do gasto realizado.
A adoção desse mecanismo tem a característica de tornar explícita a responsabilidade da União com referência ao comércio internacional. Incentivos e favores fiscais, que a União considerar necessário criar para favorecer o esforço exportador, devem ser suportados por ela, sem comprometer as finanças estaduais. É necessário dar um basta ao hábito de se fazer caridade com o dinheiro alheio.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

Texto Anterior: Mil contêineres estão esquecidos
Próximo Texto: Administrando a recessão
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.