São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Administrando a recessão

MARCOS CINTRA

A equipe econômica tem uma característica intrigante. É competente na gestão dos problemas de curto prazo. Mas não consegue esconder suas deficiências nas questões estruturais, de longo prazo.
Em geral, o que se observa nos 14 meses de Plano Real é uma permanente situação de crises emergentes, mas que as autoridades econômicas sempre conseguem circunscrever por meio de habilidosas combinações de políticas econômicas de curto prazo.
Por outro lado, o governo FHC mostra-se cada vez mais incapacitado para interferir nas questões de fundo, nas reformas institucionais, ainda que sempre as coloque como prioridade na agenda estratégica.
A primeira evidência dessa curiosa assimetria pode ser constatada pela incapacidade da atual equipe econômica -então no governo Itamar- em conduzir a reforma constitucional iniciada em 93.
Embora o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso haver divulgado que as bases de seu plano de estabilização estariam assentadas nas reformas estruturais, o governo e a opinião pública se enroscaram nas questões políticas do período eleitoral e nos resultados das CPIs do Orçamento, que monopolizavam as atenções dos meios de comunicação.
No final, a primeira fase do Plano Real, que seria a implementação de importantes reformas estruturais, acabou não acontecendo, deixando capenga a estratégia de estabilização iniciada com a criação da URV em março de 94.
Mas essa falha no atacado foi compensada por acertos no varejo.
A superindexação da economia foi executada com maestria pelo governo, que soube executar, em estágios sucessivos, a criação da moeda perfeitamente indexada. As autoridades econômicas merecem elogios pela condução desse importante estágio no plano, que criou condições propícias para a troca da moeda e a derrocada da inflação inercial, em julho de 94.
Apesar das dificuldades inerentes a esta estratégia, o governo não recorreu a casuísmos como tablitas, regras de conversão ou congelamentos de preços. Um verdadeiro sucesso no corpo-a-corpo da implantação do real.
No entanto, outro erro estrutural veio a galope. O governo foi complacente com a esperada tendência de valorização do real, que chegou a valer US$ 1,22. Os efeitos da desinflação e das altas taxas internas de juros causaram grandes influxos de recursos externos, derrubando a cotação do dólar e gerando, junto com os efeitos de uma exagerada pressa na abertura da economia ao exterior, inevitáveis ameaças de forte crise cambial.
Mas a equipe econômica tem sido habilidosa em executar as faxinas necessárias para limpar os detritos deixados pela festança da noite anterior. A criação das faixas cambiais, a administração dos fluxos de capitais externos e os ajustes tarifários foram feitos com presteza e, em julho, pela primeira vez desde outubro de 94, a balança comercial mostrou-se equilibrada.
A equipe econômica, mais uma vez, fez seu trabalho de formiguinha com eficiência, desvalorizou o real em cerca de 15% nos últimos meses e desarmou a bomba cambial que ameaçava explodir, sem gerar pressões inflacionárias que pudessem comprometer a relativa estabilidade conquistada pelo real.
Mas perduram as dificuldades nas grandes decisões estratégicas. O governo mostra enorme fragilidade em suas bases de sustentação.
Apesar do discurso liberal e modernizante, a realidade aponta em direção contrária. As reformas estruturais, como a tributária, a previdenciária e a administrativa do setor público, estão emperradas.
As unanimidades, ou maiorias congressuais, emergem apenas nas questões menos polêmicas, quando não afetam interesses corporativistas ou regionais. A privatização se arrasta e, apesar do enorme aumento da carga tributária, o governo continua gerando déficits.
A humilhação sofrida pelo governo no caso do Banco Econômico é exemplar e mostra as dificuldades que terão de ser enfrentadas se FHC tiver o firme intento de consolidar o Plano Real por meio das reformas anunciadas.
Em realidade, sob o aspecto institucional, nada mudou na economia ao longo dos últimos anos. Vem a inevitável indagação: até quando o Plano Real aguenta?
O curioso é que, apesar desse quadro desanimador, o Plano Real ainda consegue se sustentar. A inflação não ultrapassa o patamar de 4% mensais. A crise cambial foi superada. Os juros começam a ser reduzidos. A recessão, que no segundo trimestre de 95 implicou queda de quase 4% no PIB relativamente ao trimestre anterior, mostra tendência de reversão, segundo dados da indústria paulista.
Em outras palavras, apesar do pano de fundo negro, o governo consegue manter condições razoáveis de sobrevivência econômica, evitando a derrocada do real.
A única justificativa para a sustentação desse quadro contraditório é o controle que o governo exerce sobre os níveis de demanda agregada. Para conter a reinflação só lhe resta administrar a recessão.
Sem as mudanças institucionais, que permitiriam compatibilizar a estabilidade com o crescimento econômico, o governo não conseguirá fugir do drama de ser obrigado a escolher entre crescimento e inflação. O fantasma da curva de Philips obrigará a equipe econômica a praticar exercícios intermitentes de tensão e relaxamento.
Enquanto as reformas estruturais não forem capazes de criar um ambiente propício a investimentos na formação de capacidade produtiva, o nível de atividade econômica flutuará entre a recessão, politicamente indigesta, e os tetos de produção fixados pelos atuais níveis de capacidade instalada.
A política do "stop and go" é inevitável. A continuidade do Plano Real depende da habilidade do governo no manejo de instrumentos de política econômica conjunturais e em sua capacidade de resistência às pressões políticas e sociais que advirão da recessão.

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