São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Mudança é bom

JAMES C. COLLINS

À medida que as empresas operando no Brasil marcham em direção ao século 21, se defrontam com um ritmo dramático -talvez sem precedentes- de mudanças no seu ambiente negocial: liberalização da economia, globalização crescente, competidores vindos de todas as partes do mundo, a tendência à privatização, os desafios inerentes às empresas familiares e assim por diante.
Frente a toda essa mudança, as empresas podem ser tentadas a adotar modismos atuais da administração que apregoam mudanças dramáticas e transformação radical em todas as suas dimensões. Essas empresas deveriam tomar cuidado porque esses modismos não apenas são errados, mas são também perigosos. Qualquer instituição humana que quer ser duradoura precisa ter um conjunto de valores básicos e um senso de propósito central que nunca deveriam mudar.
No livro "Feitas para Durar" (publicado recentemente no Brasil pela Editora Rocco), estudamos o desenvolvimento de 18 empresas extraordinárias -que superaram em 15 vezes a valorização da Bolsa de Valores dos EUA desde 1926-, em contraste com outras 18 empresas com um grau de sucesso de uma certa forma menor.
Descobrimos que as empresas verdadeiramente duradouras possuem uma ideologia central (uma espécie de "por que nós existimos" e "que causas defendemos") bem cultivada e que não se altera em resposta a um mundo em mutação.
Essas empresas, que chamamos de visionárias -3M, Procter & Gamble, Hewlett-Packard, Motorola, Johnson & Johnson, Nordstrom, Disney, Marriott, Wal-Mart, Merck, Boeing, Sony, GM-, se adaptaram com sucesso a um mundo em mutação durante cerca de 100 anos, em média, sem contudo mudar seus valores centrais básicos.
Essas empresas assim o fizeram por perceberem a diferença entre (a) valores e propósitos centrais que são permanentes e (b) estratégias negociais e práticas operacionais que são ajustáveis. Essas empresas preservam um núcleo de valores e propósitos centrais, enquanto alteram suas estratégias e práticas.
Apesar de não ter mudado seus valores centrais em 150 anos, a Procter & Gamble tem continuamente evoluído em suas estratégias e práticas.
A Disney tem quase que religiosamente preservado sua ideologia central de trazer magia, felicidade e imaginação às pessoas, permanentemente mudando sua estratégia de produtos -dos cartuns aos filmes, Clube do Mickey, Disneylandia e Euro Disney.
A Boeing, decididamente, tem mantido sua filosofia central de integridade do produto e de pioneirismo na aviação, ainda que tenha virado sua estratégia negocial de cabeça para baixo durante a década de 50, ao apostar nos aviões comerciais, enquanto 80% de seus negócios eram provenientes de aviões militares.
A Merck mantém seu eterno propósito central de "preservar e melhorar a vida humana" e seu valor básico de excelência científica, enquanto muda radicalmente seus métodos de distribuição com a aquisição da Medco.
Os princípios fundamentais da HP, escritos por Bill Hewlett e David Packard em 1950, não mudaram desde então -e serão a âncora principal da HP à medida que ela avança rumo ao próximo século.
A IBM começou a ter problemas no final dos anos 80 porque perdeu de vista seu fator diferenciador. A prestação de serviços ao cliente era o valor básico da IBM acima de qualquer coisa; os computadores ``mainframes" eram uma estratégia negocial, assim como o uso obrigatório de camisas sociais brancas era uma prática operacional da empresa.
A IBM teve problemas porque se desviou dos seus valores centrais (os quais não deveriam jamais ter sido abandonados), enquanto permaneceu rígida nas suas estratégias negociais e práticas operacionais (que deveriam ser mudadas com muito mais vigor).
Como distinguir os ideais centrais duradouros que não devem mudar daquelas estratégias e práticas que precisam evoluir em resposta a um mundo mutante?
Em primeiro lugar, é vital compreender que a ideologia básica não é oriunda da busca pela vantagem competitiva. Um valor central verdadeiro é algo que deve ser preservado mesmo que se torne uma desvantagem competitiva (embora isso raramente aconteça).
Bill Hewlett e David Packard não transformaram o "respeito pelo indivíduo" em um valor central da HP por isso ser uma vantagem competitiva, mas porque eles acreditavam firmemente que a empresa deles deveria manter esse princípio simplesmente por ser a forma moralmente correta de administrar um negócio.
Além disso, eles declinaram de certas oportunidades de crescimento e lucro, ao rejeitar certos grandes contratos governamentais que implicavam políticas de "contratar e demitir" funcionários (nas cabeças da Hewlett e de Packard admitir empregados sabendo que vai demiti-los no final de um contrato seria profunda falta de respeito).
A questão crítica a ser formulada é: se o mundo mudar de tal forma que seremos penalizados por manter essa crença, será que continuaremos preservando-a? Se a resposta for positiva, então essa crença é parte de sua ideologia central. Se a resposta for negativa, então isso é uma estratégia, tática ou prática operativa.
Podem ser contados nos dedos de uma mão os verdadeiros valores centrais que sua empresa deve preservar para sempre; se passarem de cinco ou seis, lá estará havendo mistura de ideologia central com práticas negociais. Responder a essa pergunta com clareza é o primeiro passo para captar essa combinação notável de continuidade ("Preserve o Núcleo") e mudança ("Estimule o Progresso"), que tem distinguido as empresas visionárias.
Sim, as empresas brasileiras se defrontam com um mundo em mudança. Mas as empresas de sucesso entendem que a resposta mais adequada a um mundo volátil e mutante não é começar a mudar tudo compulsivamente. O passo crítico é, antes de qualquer coisa, identificar com clareza aquilo que você não deve mudar nunca e aí ficar livre para mudar todo o resto.

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