São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Sociólogo escreve sobre figuras da esquerda

DA REDAÇÃO

Além de publicar este ano o livro ``Tensões na Educação", pela editora SarahLetras (leia crítica nesta página), o sociólogo Florestan Fernandes deixou pronta uma outra obra, ``A Contestação Necessária", que a Ática publicará em outubro.
O livro reúne artigos inéditos e publicados. Neles, o sociólogo escreve sobre a trajetória pessoal e as reflexões teóricas de 15 personalidades da esquerda brasileira e estrangeira que influenciaram sua obra e sua visão de mundo.
A seguir, o Mais! publica trechos de alguns dos textos.

LULA, presidente nacional do PT - ``Durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, punha as questões em debate na bancada do PT, sem quase interferir nas discussões; por fim, entrava em cena com uma solução inclusiva (isto é, que apanhava os problemas pela raiz). Assim, surgia a proposição a ser posta em votação, quase sempre aprovada pela maioria.
O produto consistia na decisão do partido, negociado depois por ele próprio, por outros membros individuais ou por pequenos grupos da bancada. Os confrontos, de grande ou pequena monta, se davam nas diversas comissões. Nelas, firmava-se o ganha, perde ou modifica, com a bancada sempre pronta para reunir e retormar os debates de aceitação ou rejeição, e o líder atento ao desenrolar simultâneo das soluções de real importância para o PT."
ANTONIO CANDIDO, crítico literário - ``Sem alarde, sempre esteve na vanguarda ousada, realizando tarefas simples e complexas, escondendo-se no anonimato, mas enfrentando sem se perturbar todos os riscos. (...) Em sua carreira, percorreu três `estações': a de agitador de idéias por meio de ensaios jornalísticos; a de professor e pesquisador no campo da sociologia; a de professor de literatura comparada e do invento literário, no qual se notabilizou, convertendo a crítica literária em forma de criação cultural e em ramo da literatura."
ROGER BASTIDE (1898/1974), sociólogo francês - ``Lembro-me de uma apreciação que fez quando observei que ele não conhecia a língua do líder e mago-religioso com quem conversava. `Nós estamos de mãos dadas, olhando um para o outro e permanecemos assim por um longo tempo'. A `linguagem das mãos' como técnica? Não. A recuperação da simpatia como forma de comunhão e de comunicação. (...) Punha em prática algo reconhecido sociologicamente: as relações de companheirismo forjam personalidades comunitárias, incrustadas na totalidade cultural comum."
LUIZ CARLOS PRESTES (1898/1990), líder revolucionário e fundador do Partido Comunista Brasileiro - ``Prestes não foi do comunismo à revolução. Saltou da revolução ao comunismo. O que quer dizer que o seu ardor revolucionário inquebrantável possuía raízes no solo histórico do nosso país e da América Latina. (...) Era o rebelde que rompia com sua classe e com seus papéis sociais ou que levava o protesto popular à esfera do político e, por vezes, da luta armada."
JOSÉ MARTÍ (1853/1895), poeta e revolucionário cubano - ``Descobriu o essencial: era preciso avançar na direção de um pensamento revolucionário próprio da América Latina e forjar as soluções revolucionárias específicas, que não poderiam ser importadas nem da Europa nem dos Estados Unidos (de onde saíram a velha dominação colonial e o novo imperialismo). A revolução não é só um `produto político'. Ela é também uma realização histórica, à qual o intelectual de nossa América Latina deve devotar humildemente a sua vida, toda a sua vida."
JOSÉ CARLOS MARIÁTEGUI (1895/1930), ensaísta peruano - ``É óbvio que Mariátegui não engoliria a mistificação do `socialismo está morto'. Ele sabia amadurecidamente que o capitalismo não consegue resolver os `problemas humanos', que ele gera e multiplica. (...)
Sua convicção era clara: os progressos do capitalismo resultam em aumento geométrico da barbárie. Essa realidade sempre foi subestimada de uma perspectiva eurocêntrica."
CAIO PRADO JÚNIOR (1907/1990), historiador - ``Realizou (com o livro `A Revolução Brasileira') uma síntese da evolução do Brasil e uma revisão em profundidade de questões concretas, intrínsecas a certos dilemas políticos, como a reforma agrária. Buscou o alargamento do marxismo para adequá-lo às condições históricas variáveis da periferia, da América Latina e do Brasil. E demonstrou como o intelectual, desempenhando seus papéis e sem transcendê-los pela eficácia de partidos, pode alcançar o cume da militância exigente e criativa."
OCTAVIO IANNI, sociólogo - ``Há um esforço do sociólogo para enfrentar os desafios decorrentes de sua profissão, do processo crítico do conhecimento. Par a par com eles -com frequência transcendendo-os- comparece a inesgotável necessidade de descobrir o enigma da ação recíproca entre natureza, personalidade e civilização, em situações antípodas ou contíguas, sem similaridades ou convergências independentes, sincrônicas ou diacrônicas, quase sempre de crise. A natureza e a sociedade detêm o segredo da formação do homem. Mas é ele que humaniza, destrói e reconstitui a natureza".
CARLOS MARIGHELLA (1991/1969), revolucionário brasileiro - ``O seu marxismo-leninismo ficou muito mais próximo da intenção que da elaboração teórica e prática consequente. O que não o impediu de encontrar, por meio da prioridade política da prática e da acumulação, uma vasta experiência concreta negativa, uma versão objetiva das sinuosidades do comunismo adaptativo e tolerante, que o marxismo acadêmico descobriu tarde demais ou, então, nunca teve gana de desmascarar. No momento mesmo no qual nos vemos de novo impelidos para os erros do passado, parece indispensável voltar às suas críticas e às razões de suas rupturas."

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