São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Rumo à neuroinformática

DANIELA FALCÃO
DE NOVA YORK

Se os planos de 16 organizações de pesquisa do governo dos EUA derem certo, em aproximadamente dez anos todas as descobertas feitas até hoje sobre o cérebro humano parecerão pré-históricas. Este grupo de pesquisadores vem se reunindo desde julho de 1993 para tentar criar um software que una os conhecimentos mais modernos de ciência da computação às pesquisas de ponta sobre neurociência (estudo do cérebro).
O governo norte-americano está investindo US$ 6 milhões por ano no programa, que recebeu o nome de Human Brain Project (Projeto Cérebro Humano). Segundo Michael Huerta, coordenador do programa e representante do Nimh (National Institute of Mental Health), em 15 anos o software estará disponível a pesquisadores e estudantes de pós-graduação.
``Estamos colocando os maiores experts em computação ao lado de cientistas que têm trabalhos de destaque em pesquisa cerebral. Quando o software ficar pronto, os estudos nessa área darão um salto sem precedentes", afirmou Huerta à Folha .
Segundo ele, os cientistas envolvidos no projeto estão desenvolvendo uma nova área de estudo, chamada ``neuroinformática", que permitirá que os resultados de análises comparativas entre cérebros sejam muito mais precisos e cheios de detalhes.
Para Huerta, a neuroinformática também permitirá a simulação de experimentos no computador sem que seja necessário realizá-los na prática. ``Veja um exemplo: um pesquisador realiza experimento sobre as propriedades eletrônicas da membrana celular e coloca os resultados no computador. Um outro membro da rede poderá usar esses dados para simular o que aconteceria se proteínas fossem injetadas na membrana, sem ter que reproduzir a experiência em laboratório."
Segundo Huerta, a simulação de experimentos será uma ``enorme economia de tempo e dinheiro". Para o pesquisador, o desenvolvimento do software permitirá ainda que pesquisadores de países tão distantes quanto os Estados Unidos e a Nova Zelândia trabalhem no mesmo projeto sem ter que sair de seus laboratórios.
``Isso será possível através da Internet. Daqui a dez anos, quando o software estiver pronto, a comunicação via Internet será feita com muito mais rapidez", disse à Folha , por telefone, da sede do Nimh, em Maryland.

Folha - Além do Nimh, quais são as principais organizações que participam do Human Brain Project?
Michael Huerta - A Nasa, a National Science Foundation e o National Health Institute são parceiros muito importantes. O departamento de energia e o departamento de defesa também estão bastante envolvidos no projeto.
Folha - O sr. disse que o estudo comparativo de cérebros ficará mais preciso com o software. Como se chegará a isso?
Huerta - Com a utilização de imagens tridimensionais poderemos comparar a mesma área de cérebros de tamanhos diferentes com absoluta precisão. Para entender melhor, pense nos cérebros como se fossem uma bola de tênis e outra de golfe. Com o novo software, poderemos inserir a bola de golfe dentro da de tênis, possibilitando uma comparação que leve em consideração as diferentes proporções entre os cérebros, sem que nenhum deles perca suas propriedades originais.
Folha - Algum centro de pesquisa já usa essa técnica hoje?
Huerta - Que eu saiba, pesquisadores da Universidade da Califórnia e da Universidade do Texas, em San Antonio, estão tentando usar a computação gráfica para que as comparações entre cérebros sejam mais fidedignas. Mas nada da proporção do nosso projeto.
Folha - O sr. também afirmou que, com o software, será possível simular experiências no computador em vez de realizá-las em laboratório. Há como assegurar que o resultado da simulação corresponda à realidade?
Huerta - Claro. Se resultados de dois experimentos distintos forem colocados num mesmo espaço eletrônico, poderemos simular uma terceira experiência que una as duas anteriores, sem necessidade de repetir todo o processo em laboratório. Os dados estão armazenados. Tudo o que o computador faz é cruzar os resultados para criar uma terceira situação, igual à que aconteceria se a experiência fosse realizada empiricamente.
Folha - Além de tornar a análise comparativa mais precisa e de possibilitar a simulação de experimentos, que outras vantagens o software trará?
Huerta - Hoje se perde muito tempo para conseguir uma informação porque, para chegar até ela, é necessário percorrer vários degraus que serão inúteis para o resto da pesquisa. Com o software, o pesquisador vai poder chegar ao topo da escada sem ter que percorrer todos os degraus. Outra vantagem é que criaremos um super banco de dados. Muito material vem sendo desperdiçado porque não chega a ser publicado por julgarem-no irrelevante. Mas o que é irrelevante para um pesquisador pode ser decisivo para outro.
Folha - Qual é o público do projeto e quais avanços que o sr. acredita que acontecerão após a adoção do software?
Huerta - A princípio, nosso público são cientistas e estudantes de pós-graduação. Mas com algumas adaptações básicas, o software poderá ser utilizado até por alunos de segundo grau, nas aulas de biologia. Quanto aos avanços, são imprevisíveis. Não posso dizer que acharemos a cura para o mal de Alzheimer, mas posso dizer com certeza que todas as tentativas de curas para doenças ligadas ao cérebro terão grande avanço.

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