São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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A situação histórica concreta

FLORESTAN FERNANDES

Os analistas teimam em separar o Estado, com seu aparato institucional, da sociedade real. Em consequência, trabalham com abstrações. O que são o Estado ou a "crise de governabilidade, vistos em si e por si, senão meros fantasmas? De outro lado, há uma erosão inegável das instituições e estruturas sociais. Se ela não for entendida, o que se percebe não passa de uma realidade caótica. A "crise de autoridade aparece em interação com a desagregação social.
A sociedade desaba, levando de roldão Estado e governo. Por sua vez, a calamidade que atingiu o poder público acelera os processos de desorganização da personalidade, da cultura e da sociedade. Costumes e expectativas de comportamento entram no furacão, retirando do cotidiano a "normalidade preestabelecida. Por falta de condições materiais e morais, Estado e governo omitem-se, desempenhando suas funções de modo precário. Seu desgaste indica que está na sociedade a chave do drama.
Essa relação dialética origina percepções e explicações divergentes, conforme a situação de classe dos protagonistas principais. Adotando a noção da "sociedade como paciente, corrente em alguns círculos norte-americanos, Kalman Silvert caracterizou as formações societárias latino-americanas como "sociedades doentes. A doença pressupõe cura, porém as classes sociais revelam agudamente suas contradições mais profundas.
As classes dominantes, em virtude da "opacidade da consciência burguesa, obliteram métodos e técnicas de mudança social que escapam da rede de interesses e controles capitalistas, internos e externos, conjugadamente. Enxergam a "crise de governabilidade omitindo os demais protagonistas, como se a "crise social pudesse se esgotar por si mesma. Dão as costas aos dilemas raciais, culturais e sociais vinculados à pobreza, ignorância e condições sociais desiguais de repartição da riqueza e do poder.
Na outra ponta, excluídos, trabalhadores e subalternizados condenam todo o sistema social. Querem tornar efetivas alterações inadiáveis de seu padrão e meios de vida. Por isso, consideram o caos como totalidade histórica e lutam por transformações da ordem que jamais poderiam ser frutos espontâneos do desenvolvimento capitalista. Acresce que a forma de integração do Brasil nas tendências à globalização aumenta os choques de mentalidade e os conflitos nas relações de classe.
Estão se diluindo os últimos vestígios do mandonismo e das soluções políticas impostas pelas elites. Nenhum governo dispõe de capacidade para intervir na sociedade através de programações segregadas e parciais. O engano é sedutor, pelo menos para as classes dominantes. Mas encontra repúdio nas classes trabalhadoras e assalariadas, bem como nos excluídos. Eles querem uma sociedade nova, com a constelação correspondente de instituições-chave democráticas.

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