São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Custos sociais do capitalismo

FLORESTAN FERNANDES

O capitalismo apresenta em sua evolução custos sociais variáveis. No início, esbulhados e pobres diluíam-se sobre um proletariado nascente que, através de submissão ou revolta, ainda aprendia a lidar com a manufatura e a exploração da força de trabalho, ao lado da inexistência de laços de solidariedade e obnubilação da consciência social de classe.
Os sindicatos exerceram enorme influência construtiva na organização dos trabalhadores e em sua liberação da dominação ideológica, política e de classe dos donos do capital.
As reformas e revoluções necessárias ao desenvolvimento capitalista surgiram em um clima de violências e conflitos sociais que deram forma, conteúdo e direção à constituição da civilização capitalista. Os proletários e o movimento social -de natureza socialista- desempenharam funções que imprimiram continuidade e maior profundidade à "revolução burguesa na Europa.
Sob o capitalismo competitivo, portanto, a burguesia, associada à aristocracia e especuladores das finanças e negócios coloniais, não teve a supremacia que lhe assegurasse, na transformação da sociedade, a neutralização da classe antagônica e dos miseráveis.
No presente, o capitalismo oligopolista vinculado à automatização e à administração informatizada aumentou, sob esse aspecto, o espaço da classe dominante e reduziu drasticamente a capacidade de iniciativa dos de baixo.
O mercado perde rapidamente sua importância como fator de classificação social e tende a afunilar o centro de gravidade do sistema societário, como se lucros e interesses capitalistas fossem um patrimônio a ser "enfeudado por empresas gigantes e seus administradores.
No mesmo sentido, a produção deixa de aferir o peso relativo do capital e do trabalho, impondo a predominância da tecnologia de ponta e seu impacto sobre a expansão econômica e a organização da sociedade. Rico e privilegiado tornam-se sinônimos.
Forma-se, assim, uma classe dominante exclusivista, ávida de estabilidade social e poder. O Estado cai em suas garras e procura corresponder a suas expectativas e imposições. Desaparece a herança liberal. A opressão contra pobres, trabalhadores, sindicatos e partidos socialistas converte-se na tônica do "bom governo.
Efeitos visíveis: aceleração perturbadora na concentração "aristocrática da riqueza, acompanhada de novas taxas de miserabilidade ascendente, de rateio de vantagens com estratos aliados da classe média alta e marginalização da mão de obra excluída e dos sem-classe. Fenômeno de transição? Não é o que pretendem os mandões da nova "classe ociosa.
Até a noção de conflito é banida na esfera das relações entre capital e trabalho. Desvanece-se a falaciosa utopia da "democracia participativa, juntamente com o maior valor cívico e jurídico-político da cidadania.
As vítimas dessa reviravolta poderiam conferir a todo o processo um caráter transitório. Mas, para isso, precisariam ressuscitar o movimento social, a luta de classes e o socialismo em condições ultradesfavoráveis.

Texto Anterior: A situação histórica concreta
Próximo Texto: FLORESTAN ATACA O CONSENSO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.