São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Incêndio em refinaria gera 13 mil processos

ANA ESTELA DE SOUZA PINTO

Norte-americanos exageram, diz consultor da Exxon
Em Los Angeles
William Hale, consultor da Exxon Corporation, não tem dúvidas de que a sociedade americana se excede no número de processos e ações legais. Encarregado de tratar de processos contra a companhia de petróleo, Hale, 42, cita o caso de um incêndio numa refinaria.
"O fogo não saiu das terras da Exxon. Na semana seguinte, 13 mil pessoas processaram a companhia. Gente que saiu de casa para ver o que estava acontecendo entrou na Justiça alegando risco de intoxicação.
O advogado David McDonald, 40, se considera a prova viva do exagero americano.
Em seu computador no escritório Briggs & Morgan, em Saint Paul (Minnesota, EUA), estão arquivados detalhes dos 39 casos com que ele lida no momento.
"São tantos que às vezes tenho que fazer força para lembrar se um caso é de assédio sexual ou de agressão ao ambiente. Trabalhando com ações civis desde 1980, ele vê o número de processos crescer em seu escritório.
Por causa disso, associações de advogados se articulam para evitar que os casos cheguem aos tribunais para julgamento.
Para McDonald, os americanos vão à Justiça antes de tentar acordos e os advogados se omitem ao levar adiante casos simples.
Em Minnesota, todo processo civil só vai a júri depois de passar por arbitragem (em que um árbitro, nem sempre um juiz, tenta resolver a disputa) ou por mediação (em que os advogados tentam acordo). Nove entre dez processos negociados por McDonald são decididos nessa etapa.
"Americanos são fascinados por combate, por conflito, diz o professor de Direito e Cultura da Faculdade Macalester (Saint Paul), Norman Rosenberg, 53.
Esse gosto por disputa, somado a uma admiração por leis, explica por que filmes, seriados e noticiário sobre julgamentos são tão populares nos EUA, segundo ele.
"No cinema, mesmo histórias que não giram em torno de júris têm alguma cena desse tipo. Veredictos dão às pessoas um senso de verdade final, que agrada aos americanos, afirma Rosenberg.
A atração vem do século 19, quando jornais cobriam extensivamente júris em casos de assassinato ou crimes sexuais.
Na década de 30, o rádio era o principal veículo dessas histórias, agora transmitidas pela TV. "Na semana passada, cinco dos seis canais disponíveis em Saint Paul mostravam algum caso legal.
Para Rosenberg, embora os EUA sejam recordistas mundiais em número de advogados, não se pode afirmar que sejam o país com a maior quantidade de processos, porque o sistema legal americano é diferente do da maioria dos países ocidentais, o francês.
O problema é que os americanos não querem mais prestar conta por seus atos, segundo o professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles Peter Arenella.
Comentarista do caso Simpson para a rede de TV americana ABC e articulista do "Los Angeles Times, o advogado Arenella dá como exemplo ex-fumantes que processam indústrias de cigarro porque desenvolveram câncer.
"Eles sabiam que fumar pode provocar a doença, mas querem culpar alguém por seus erros.
Ele diz que o número de pessoas que tenta processar alguém e é dissuadido pelo advogado é muito maior do que o de ações legais.
Mas discorda do termo "litigious society (sociedade de litígio, em tradução literal do inglês) usada para descrever o país: "É um mito criado pela mídia.
(Ana Estela de Sousa Pinto)

Texto Anterior: Pena aos Rosemberg foi correta
Próximo Texto: `TV Tribunal' é obsessão da classe média americana
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.