São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Laços entre EUA e China se deterioram

JIMMY CARTER

Estrategicamente para os Estados Unidos, seus atuais problemas com outros países se tornam relativamente insignificantes quando comparados à deterioração das relações entre nosso país e a China.
É ao mesmo tempo evidente e trágico que essa crise em formação não tenha sido tratada com a seriedade e a consistência adequadas nos EUA, e que as discussões mantidas no âmbito de gabinetes não tenham rendido frutos.
Diferenças inerentes de caráter, hábitos e exigências políticas podem ser preocupantes, mas precisam ser compreendidas e, se possível, resolvidas com diplomacia e boa-fé. A alternativa poderia ser extremamente prejudicial aos interesses de ambos os países.
Nenhum dos dois países reage bem a condenações públicas, ameaças econômicas ou intimidação política vindas do outro. Em se tratando de nações poderosas e donas de muito orgulho, esses estratagemas costumam ser contraproducentes, mas pressões políticas domésticas provocam a repetição de erros desse tipo.
Após a histórica visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972, houve um longo interlúdio antes de ser dado o passo seguinte em direção à normalização das relações diplomáticas bilaterais.
Embora uma declaração de "China única tenha sido feita em Xangai, passaram-se vários anos até que o governo americano considerasse chegado o momento político de declarar qual das Chinas era essa ``China única". Enquanto alguns dirigentes políticos ainda afirmavam que deveria continuar a ser Taiwan, a maioria supunha que algum dia ela teria que ser a "China Vermelha -a República Popular da China.
Tendo passado algum tempo nas cidades litorâneas da China quando eu era um jovem oficial de um submarino, em 1949 (logo antes de os nacionalistas chineses serem forçados a deixarem a China continental em direção a Taiwan), há muito tempo já sentia profundo interesse por esse país. Mesmo antes de tomar posse como presidente, eu estava determinado a fazer com que a questão da ``China única" fosse resolvida.
Poucos dias após minha eleição, o então secretário de Estado, Henry Kissinger, veio a minha casa em Plains, na Geórgia, para passar um dia inteiro colocando-me a par da situação em que se encontrava a política externa norte-americana.
Me lembro de ele ter enfatizado que os chineses certamente honrariam compromissos que tivessem assumido, mas que quaisquer acordos teriam que ser compreendidos por ambos os lados.
Durante vários meses do ano de 1978, o vice-premiê chinês Deng Xiaoping e eu conduzimos negociações sigilosas que levaram ao estabelecimento de relações diplomáticas completas, no primeiro dia de 1979.
Foram assinados acordos oficiais abrangendo comércio, ciência e tecnologia, agricultura, espaço, educação e intercâmbios culturais. Também concordamos em respeitar nossas respectivas culturas específicas e resolver as inevitáveis divergências futuras por meio de discussões prontas e francas ao mais alto nível oficial que se fizesse necessário.
Outros compromissos sensíveis e controvertidos foram assumidos com respeito à posição norte-americana oficial de que existe uma única nação chinesa, e que Taiwan faz parte da China.
Além disso, a China concordou que essa relação controvertida com Taiwan seria resolvida por meios pacíficos. Os Estados Unidos dariam continuidade a suas relações comerciais e outras relações não-oficiais com Taiwan, incluindo a venda de armas defensivas, mas não ofensivas.
Em alguns casos, divergências sérias chegaram a ser resolvidas.
Por exemplo, a venda de aviões F-16 a Taiwan foi interpretada pela China como uma violação da promessa norte-americana com respeito às armas ofensivas, mas ela acabou aceitando, com relutância, essa decisão tomada pelo presidente George Bush.
Apesar da forte reação norte-americana contra a tragédia da praça Tiananmen (Paz Celestial) e as fortes pressões exercidas pelo público e o Congresso dos EUA, o presidente Bill Clinton decidiu separar a questão dos direitos humanos daquela do status comercial de Nação Mais Favorecida.
Entretanto, nos atuais ambientes conservadores presentes tanto em Pequim quanto em Washington esse tipo de divergência é realçado e às vezes ressuscitado por alguns líderes para fins políticos.
Os compromissos oficiais previamente assumidos, incluindo aqueles de 1972 e 1979, precisam ser honrados por ambas as partes, mesmo quando mudam as circunstâncias políticas domésticas de cada país.
Várias questões controvertidas ainda ameaçam esse relacionamento vital, e é imperativo que sejam resolvidas rapidamente, respeitando-se as sensibilidades específicas de cada país.
Sem um conhecimento prévio da questão da ``China única", é difícil para os norte-americanos compreender a extrema importância política da visita oficialmente aceita do presidente de Taiwan, Lee Teng-hui, aos Estados Unidos. Os chineses afirmam que haviam recebido garantias prévias de uma alta autoridade em Washington de que esse acontecimento muitíssimo difundido não seria aprovado.
Na China, a entrada sub-reptícia de Hongda Harry Wu no país e os relatórios que ele escreveu condenando o sistema penitenciário chinês foram vistos como um sério desrespeito a suas leis e a sua segurança política nacionais.
Com referência a esse mesmo caso, muitos americanos consideram que um militante pelos direitos humanos, americano de origem chinesa, foi preso por trazer a público violações dos direitos humanos e será submetido a julgamento sigiloso por um delito relativamente trivial, vendo ameaçadas sua vida e sua liberdade.
Também há graves mal-entendidos a respeito de acordos sobre não-proliferação nuclear, venda de armas e se as condições necessárias de implementação alguma vez foram negociadas ou não. Os dois lados em questão têm tendência excessiva a supor que suas declarações unilaterais foram aceitas e que o outro lado irá acatá-las.
Algumas medidas já foram tomadas para resolver essas questões importantes por meio tanto de conversações reservadas quanto de declarações oficiais. Infelizmente as conversações, em muitos casos, foram breves e não-conclusivas, e as declarações de políticas nacionais têm sido contraditórias e ainda estão pouco claras.
Este é um momento em que apenas os chefes de Estado podem esclarecer declarações conflitantes oriundas de seus governos.
Continuarão existindo questões não resolvidas, e elas devem ser resolvidas prontamente. Por exemplo, os Estados Unidos não podem abrir mão de seus princípios fundamentais e devem continuar a insistir que a China e todas as outras nações honrem os acordos referentes a direitos humanos e a comércio. Mesmo quando isto não convenha àqueles que cometem abusos ou violam padrões internacionalmente aceitos referentes a trabalhadores ou direitos autorais.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos precisam ser consistentes em sua política de ``China única". Os chineses, por sua vez, precisam tratar o caso Harry Wu com cuidado e, após um julgamento realizado no prazo mais breve possível, devem permitir sua saída do país.
Cada lado precisa tomar cuidado para tratar o outro com sensibilidade e respeito. No âmbito dos chanceleres, são necessárias negociações reservadas e não ultimatos públicos para tratar de questões controvertidas.
Se os atuais problemas não forem resolvidos em pouco tempo, um encontro de cúpula entre os dois chefes de Estado, que já deveria haver acontecido há muito tempo, deve ser programado para dentro em breve.
Tradução de Clara Allain

Perguntas podem ser enviadas a Jimmy Carter no The Carter Center, One Copenhill Road, Atlanta, Ga. 30307, EUA, ou a Jimmy Carter a/c The New York Times Syndicate, 122 E. 42nd Street, 14th Floor, New York, N.Y.
Favor incluir nome, cidade e país. Nesta coluna serão respondidas perguntas de interesse geral. As perguntas não publicadas não poderão ser respondidas individualmente.

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