São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Para além da privatização

LUIZ CEZAR FERNANDES

O objetivo da reforma tributária é claro: tornar o sistema tributário mais simples e eficiente. Isso significa diminuir o número de impostos, reduzir o peso dos impostos indiretos e eliminar as contribuições parafiscais. Dessa forma seria possível reduzir a carga tributária média.
A carga tributária no Brasil é excessiva. Em cada produto, 48% do seu preço corresponde, em média, a tributos ou contribuições. Para cada R$ 100 pagos de salários, mais de R$ 80 devem ser recolhidos na forma de contribuições sociais. Os impostos indiretos possuem alíquotas variando entre 7% e 28%.
Apenas como comparação, na Coréia a alíquota é de 10%. Como consequência, a produção é onerada, estimulando a economia informal e minando a competitividade dos produtos domésticos diante da concorrência externa.
À primeira vista a evasão fiscal, ou o ``caixa 2", pode ser justificada como uma proteção da sociedade contra um governo gastador. A produção e a geração de empregos existem do ponto de vista econômico. Eles apenas não existem oficialmente. Ocorre, porém, que a evasão possui um impacto perverso no nível de investimento.
O proprietário de uma empresa que opta por não faturar sua produção consegue ofertar seu produto a um melhor preço e aumentar seu lucro. No entanto, esse ganho não pode ser reinvestido, pois os recursos não existem do ponto de vista legal. Além disso, o crescimento tornaria a empresa mais visada, dificultando a evasão.
A informalidade acaba por gerar uma sociedade de pequenas empresas à margem da modernização. Se, por um lado, o empresário não mata sua galinha dos ovos de ouro, por outro ele não consegue e não pode deixar que ela se reproduza.
Estima-se que existam atualmente mais de US$ 30 bilhões de brasileiros no exterior que não podem retornar por não terem origem declarada. Apenas dando uma idéia da dimensão dessa cifra, ela representa 20% da dívida externa, 8 meses de importações, mais de 75% das reservas internacionais ou mais de 25% dos recursos existentes em cadernetas de poupanças e fundos mútuos (ações, commodities, FAF etc).
Seu retorno eliminaria definitivamente o risco de uma crise cambial. A anistia fiscal, assunto até o momento pouco discutido, também daria impulso ao investimento. Atualmente, as taxas de investimento se encontram em 17% do PIB. Longe, portanto, dos 23% da década de 70 e insuficiente para financiar um crescimento sustentado.
A redução da tarifa média aumenta a eficiência da economia. Porém, é importante analisar suas consequências fiscais. A situação do setor público brasileiro não oferece condições para um equilíbrio fiscal de longo prazo.
A arrecadação fiscal cresceu substancialmente nos últimos anos -ela pode atingir 31,5% do PIB em 1995, contra 25,9% em 1991. Mesmo assim, um precário equilíbrio só tem sido possível através de um rígido controle do caixa do Tesouro Nacional. As esferas estaduais e municipais têm sido sistematicamente deficitárias.
A literatura econômica, através da chamada curva de Laffer, diz que, em determinadas condições, a redução da alíquota amplia a base de arrecadação. Isso impede que a arrecadação tributária seja corroída, podendo até mesmo elevá-la. Em um primeiro momento, a base de arrecadação é ampliada através do desestímulo à evasão. O possível benefício da evasão é reduzido com a menor alíquota. Ao mesmo tempo, a simplificação do sistema tributário permite melhor fiscalização, elevando seu risco.
No segundo momento, o aumento da base decorre dos estímulos que um sistema mais eficiente de tributação exerce sobre a produção.
Porém, o raciocínio exposto acima encobre que existe uma defasagem temporal entre a redução das alíquotas e seus impactos sobre a base de arrecadação. Para dar uma idéia do possível impacto fiscal, somente o IPI responde por mais de 15% das receitas do governo federal. O governo precisa, portanto, de outras fontes do financiamento durante esse período.
A melhor, ou única, alternativa é a privatização. A receita obtida através das privatizações permite o financiamento das despesas correntes durante o período em que a arrecadação diminui.
Fica patente, dessa forma, a necessidade da privatização em um projeto de modernização do país. Dentre todas as reformas que se deseja realizar, ela é a única que possui resultados imediatos. Esses resultados incluem o abatimento da dívida mobiliária, levando à redução dos juros com controle monetário.
Além disso, existem outros efeitos mais duradouros: desobstrução dos canais de investimentos em infra-estrutura e a retomada do investimento estatal em saúde e educação. A reforma da Previdência é tão ou mais importante que a privatização, pois ela será responsável pela geração do fluxo de capitais para investimentos. Mas seu processo de maturação é mais longo.
Mesmo a reforma administrativa, com a redução do funcionalismo, representa, no primeiro momento, um aumento de despesas. Essas despesas correspondem às indenizações, programas de recolocação dos funcionários na iniciativa privada etc.
É importante frisar que a privatização representa uma forma de financiamento temporária e que as demais reformas também devem ser levadas a cabo. Juntas, elas estabelecerão as condições para a retomada da produção e, consequentemente, da base de arrecadação tributária.
Isolado, o resultado da privatização será a perda de um ativo sem a equalização das contas do governo. Nesse caso, ela é tão inócua como a utilização de capitais externos de curto prazo, atraídos por altas taxas de juros, para o financiamento de consumo -como no caso mexicano- ou para o acúmulo de reservas internacionais.

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