São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Viva o neoliberalismo (alheio)

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Na noite de quarta-feira bateu de repente um febrão de mais de 39 graus em minha neta Natália, 13 meses. A mãe liga para o pediatra (particular). Está em Brasília.
Não lhe resta alternativa se não procurar um dos hospitais pediátricos do seu seguro-saúde (privado, claro). O médico, visivelmente um estagiário, parece assustar-se mais do que o avô, o que já diz tudo.
A enfermeira tira a febre, dá 37 e uns quebrados. ``Milagre da Novalgina", pensa o avô. Afinal, a menina saíra de casa com mais de 39. Engano do avô. Deve ter sido erro de medição porque, na volta para casa, os 39 estavam lá de novo, firme e fortes.
O médico não acha nada. Suspeita apenas de uma gripe forte. Na manhã seguinte, pelas dúvidas, minha filha leva a menina a outro PS do convênio, que confirma o diagnóstico da véspera.
Na sexta-feira a febre não baixa dos 39. Natalinha geme de dor. Minha filha resolve levá-la ao pediatra de confiança, que já voltara de Brasília, calculando o rombo que o preço da consulta vai abrir no seu modestíssimo orçamento.
Bendito gasto. O diagnóstico é rápido: pneumonia já avançada, o que o raios X confirmaria em seguida.
O pediatra recomenda internação. Sugere o seu hospital de confiança, um dos melhores da cidade. Claro que não consta dos hospitais do seguro-saúde de minha filha. Mas tudo bem, a Natália não tem preço e os R$ 2.900 só de depósito incomodam muitíssimo menos do que as olheiras no rostinho lindo.
Volto para casa, toca o telefone. Minha filha Clarissa liga de Londres. Estava com dor de ouvido e um mal-estar difuso. Marcou consulta em um hospital (público).
Diagnosticaram otite, insuficiente para explicar o mal-estar. Ficou internada, passou por uma bateria de exames e saiu, 36 horas depois de virada pelo avesso, sem pagar um p... (o linguajar é típico dela, perdão, leitor).
Desligo o telefone me perguntando por que os neoliberais dos outros são mais inteligentes do que os nossos. E desconfiado de que há algo de muito errado em um país em que não há saúde pública e os seguros-saúde não são lá muito seguros.

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