São Paulo, domingo, 20 de agosto de 1995
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Perna curta

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Suponha a negociação de um carro. É essencial que vendedor e comprador falem do estado do automóvel, da cor da lataria, da documentação...
E, mais importante, terão de falar sobre o preço. Terão uma boa e demorada discussão em torno do preço.
Na madrugada da última terça-feira, Brasília e Bahia negociaram um banco. E deu-se o negócio por fechado sem que o vendedor informasse ao comprador sobre o preço da mercadoria.
Um passeio pelos bastidores da negociação espanta pela ausência de números e pelo excesso de improvisação. Os entendimentos foram conduzidos pelos interlocutores errados, na hora errada e no lugar errado.
Negociaram, pelo governo, Fernando Henrique e Gustavo Loyola. Pela Bahia, falaram Antônio Carlos Magalhães e o economista Daniel Dantas.
A familiaridade de FHC e ACM com os meandros de um banco não ultrapassa os limites de um talão de cheques. O ministro da Fazenda, chefe de Loyola, estava em Buenos Aires. O secretário da Fazenda da Bahia, mais familiarizado com as finanças baianas do que Daniel Dantas, estava com dengue.
Decidiu-se sacramentar o negócio entre meia-noite e 1h, horário mais apropriado para uma negociação com o travesseiro. A conversa não se deu em torno de uma mesa, mas numa frenética triangulação telefônica.
Brasília não avisou a Bahia que teria de injetar R$ 1,8 bilhão no Econômico, eis o ponto central de toda a história. Acertou-se apenas que o Estado faria uma vaquinha para atrair depósitos para o Econômico.
Ficou combinado ainda que o BC continuaria gerindo o banco, em regime de administração temporária, eis o segundo ponto mais relevante do caso. Os R$ 3 bilhões em dinheiro público já injetados no Econômico continuariam enterrados na instituição.
Só no dia seguinte, sob tiroteio, o governo surgiria com a cifra de R$ 1,8 bilhão (parte dos R$ 3 bilhões) e com a conclusão de que, transferido para a Bahia, o banco teria de sair da esfera administrativa do BC.
Alguém familiarizado com os fatos, dificilmente compraria um carro na mão do governo.

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