São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 1995
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A comida de proveta

HELCIO EMERICH

Os produtos ``high-tech" estão finalmente cruzando a fronteira entre os laboratórios e a mesa do consumidor. Ao aplicar nos alimentos os conhecimentos da engenharia genética (que envolve técnicas como a radiação), seus fabricantes alegam -como se estivessem se desculpando- que estão apenas usando a tecnologia para acrescentar ``novos valores" a produtos que permaneceram séculos sem qualquer evolução no sabor ou na aparência.
Apelidados nos EUA de ``Frankenfood" (comida Frankenstein), essa nova geração de gêneros alimentícios começa a travar uma batalha pela conquista dos corações, mentes e estômagos dos norte-americanos, ainda desconfiados de que uma alface que não murcha ou um repolho que nunca azeda não podem ser boa coisa.
No ano passado, após quase uma década de testes, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou a comercialização de uma nova raça bovina batizada de Povilac, desenvolvida com a ajuda de um hormônio sintético, o Somatropin, produzido pela Monsanto. Quando injetado no gado, o hormônio aumentaria em 15% a produção de leite, uma dádiva da ciência aos fazendeiros obcecados pela produtividade.
Os críticos da biogenética atacam a novidade: vacas que produzem mais leite artificialmente estão sujeitas a um número muito maior de infecções exigindo tratamento com antibióticos. O leite afetaria as pessoas que são alérgicas aos antibióticos e aumentaria a resistência de diversos vírus. Alguns supermercados se recusaram a vender o leite aditivado pela química da Monsanto. A empresa deflagrou uma agressiva campanha ``educativa" com depoimentos favoráveis de médicos da American Medical Association.
A versão biotécnica do leite não é o único produto do gênero à espera de consumidores nos EUA. A Calgene Fresh, uma empresa do Illinois, lançou o Flavr Savr, um tomate criado à base de sementes geneticamente modificadas por raios gama e cujo processo de apodrecimento é retardado em várias semanas.
Grupos de defesa da saúde do consumidor, como o Food and Water e a The Pure Food Campaign, botaram suas tropas na rua, ou melhor, na mídia. Anúncios e comunicados alertaram a população contra os riscos dos alimentos irradiados, lembrando casos fatais de consumidores que comeram hambúrgueres de carne tratada com raio X, na cadeia Jack in the Box, em 1992.
As indústrias que apostam na engenharia genética acham que tudo é uma questão de tempo. Os consumidores tendem a ser cada vez mais receptivos em relação aos benefícios que a tecnologia pode trazer para a alimentação. Confiam na força da comunicação para convencer as donas-de-casa de que um rabanete geneticamente modificado continua sendo um rabanete e não uma droga de laboratório.
Se olharmos para trás, vamos ter de dar razão aos fabricantes de biocomida. Foi a propaganda que transformou as ``colas" em bebidas mais desejadas do que o champanhe. E que levou boa parte do mundo a cultuar como iguarias o hambúrguer -``os mísseis mais mortíferos da América", como dizia Ralph Nader.

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