São Paulo, quarta-feira, 23 de agosto de 1995
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Primeira divergência

JANIO DE FREITAS

As alterações propostas pelo governo no sistema de impostos, que estão longe de configurar a tão prometida reforma tributária, dependem menos do próprio governo e do Congresso do que da disposição dos industriais de se contentarem com o proposto ou de forçarem o avanço na direção de uma reforma.
A exposição das propostas, feita pelo presidente Fernando Henrique na entrevista coletiva de anteontem, apenas acentuou no Congresso a impressão de que o governo não se entendeu para montar um projeto de reforma. Nem poderia, mesmo, porque só nas últimas semanas houve reuniões que tentaram, em vão, contornar as divergências conceituais e ver se arranjavam algumas propostas mais consistentes do que o pouco alinhavado e afinal apresentado.
Mas a maioria do Congresso tem demonstrado submissão absoluta ao governo e, a depender de deputados e senadores, não há que esperar modificações parlamentares de maior alcance na proposta do governo. A ressalva, quanto a modificações, fica por conta do fundo que compense os Estados pelo que vão perder. Não que os governadores sejam menos submissos ao governo federal do que os congressistas. Se, porém, a compensação for insuficiente, o prejuízo para suas administrações os levará a acionar as respectivas bancadas estaduais.
A reação dos dirigentes da Fiesp foi de energia incomum, reduzindo a proposta do governo à menor das insignificâncias. E daí virá o fator decisivo: indignação passiva ou ação influente. A opinião empresarial, sempre absorvida e projetada pelos meios de comunicação, produz no Congresso os efeitos já conhecidos, mesmo quando contrária à tendência inicial da maioria parlamentar. No caso da proposta tributária do governo, no entanto, a ação empresarial encontraria um campo já muito propício. E em uma condição incomum: propício tanto da ala governista, como da oposição, igualmente insatisfeitas com a proposta minúscula do governo.
Dois aspectos políticos sobressaem, então. O que o governo chama de reforma tributária faz surgir a primeira divergência doutrinária do empresariado com Fernando Henrique, admitindo-se que o comportamento governamental no caso do Econômico seja dado como apenas incidental. E logo a primeira divergência pode dar em confronto dos bons.
O outro aspecto é que o governo, para ver a ``reforma" limitada à sua proposta, precisará agir, não sobre os parlamentares, mas sobre o empresariado influente -e há muito desejoso de uma reforma tributária verdadeira. Se isso não for importante, é pelo menos curioso.

Outros projetos
A propósito, ainda, de reforma tributária, transcrevo correspondência do deputado Michel Temer, líder do PMDB na Câmara:
``Temos patrocinado, para discussão, proposta de reforma do deputado Luís Roberto Ponte. Tenha ou não o governo mandado o seu projeto, aquele já está em tramitação. E com a nossa insistência. Para comprová-lo, remeto breve e recentíssimo pronunciamento que fiz na Comissão de Constituição e Justiça em abono da imediata discussão dos projetos em tramitação nesta Casa. Privilegio, assim, os projetos oferecidos pelos deputados. Permita-me, portanto, solicitar minha exclusão dos `capachos' arrolados no seu artigo". No original, seguiram-se o discurso e os apartes.
Em nenhum momento o artigo negou que o deputado Michel Temer fosse um dos patrocinadores de projetos de reforma originários do Congresso. O assunto do artigo foi a submissa e imediata aceitação, pelos líderes dos partidos governistas, do desejo de Fernando Henrique de adiar a reforma tributária para futuro indefinido e substituí-la pela administrativa. E o deputado Michel Temer foi um dos que admitiram publicamente a substituição.

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