São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 1995
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Mutirão sim, corrupção não

LAIR KRAHENBUHL

Pena que discursos vazios, dados e declarações manipuladas não contribuam em nada para resolver o problema de moradia em São Paulo, pois do contrário o vereador José Mentor já teria conseguido essa proeza.
Em artigo publicado neste espaço (Folha, 22/8) ele cita, completamente fora do contexto, uma afirmação minha de oito anos atrás, que defendia um sistema de financiamento para que a população de baixa renda pudesse adquirir um lote urbanizado e nele construir suas casas, em regime de mutirão.
Essa tese, que continua válida, consta de um artigo meu publicado pela Folha em janeiro de 88, no qual havia o seguinte complemento, convenientemente "esquecido pelo vereador, ao arrepio da ética:
"Nesse processo, o agente promotor das obras receberia à vista o valor do lote, não embutindo no preço os custos financeiros do parcelamento, nem tampouco os custos de comercialização, o que traria uma grande redução no preço final. Participaria ainda como gerenciador das construções, fornecendo orientação para as edificações.
Percebida a idéia em seu conjunto verifica-se que a tese era sobretudo direcionada a resolver o problema fundiário urbano: os mutirões seriam formados em base semelhante aos consórcios, construiria em um lote regularizado, comprado e pago -e não em terra doada ou invadida- e teriam respaldo técnico da iniciativa privada, através do agente público ou privado.
Esse modelo de auto-construção e de solução fundiária nada tem a ver com a máquina político-partidária montada pela administração petista em terras públicas ou invadidas, com verbas igualmente públicas distribuídas sem qualquer controle.
Os mutirões petistas, ardorosamente defendidos pelo vereador e por seus colegas de partido -de olho nos gordos currais eleitorais que representam- operam de maneira completamente diversa.
Na esmagadora maioria dos casos são associações dos chamados sem-teto, criadas, manipuladas e controladas pelo PT. Não possuem critério ou responsável técnico. Não se preocupam com a regularização fundiária. Distribuem as casas de acordo com as conveniências políticas. Suas "assessorias ficam com uma taxa de 4% a título de "administração, não prestam contas do dinheiro recebido e, quando o fazem, inúmeros casos de fraude tem sido constatados.
No mutirão do Jardim São Paulo, a denúncia de desvio de verba foi parar na 54ª Delegacia de Polícia: pessoas ligadas a direção do mutirão teriam mobiliado casa e comprado um telefone à vista com o dinheiro do mutirão, segundo denúncia da ex-mutirante Maria Linduína dos Santos Torres. Compras de material de construção teriam sido feitas com notas super-faturadas.
A Prefeitura de São Paulo encaminhou representação ao Procurador Geral da Justiça do Estado de São Paulo para que esses fatos, da maior gravidade e que infelizmente não são isolados, sejam apurados. Dos mais de cem mutirões formados no governo passado, apenas 31 estão em fase final de regularização.
Em resumo, o governo atual enfrenta o problema de moradia de várias formas. O projeto Cingapura de verticalização e erradicação de favelas é uma delas. O mutirão, quando regular, eficiente e honesto, é outra.
Se os vereadores do PT querem colaborar, falem menos e façam mais: despartidarizem os mutirões, ajudem a regularizá-los e a deles afastar os espertalhões que se locupletam com o dinheiro público.

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