São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 1995
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Ainda Corumbiara

MARCELO BERABA

SÃO PAULO - Em Vanessa dos Santos Silva, 7 anos, a bala entrou pelas costas, pouco acima da nádega direita, atravessou o intestino e saiu pelo lado esquerdo.
Já do corpo de Ercílio Oliveira de Campos, 41, foram retiradas 19 balas. Ele levou tiros no olho direito, na orelha, no rosto, no pescoço. Pelo menos dois tiros foram dados pelas costas, de cima para baixo.
Um homem tomou 12 tiros, 5 na cabeça; outro, apenas 2, mas na cabeça e a curta distância.
Aí estão, descritos com a frieza dos dados dos laudos cadavéricos, quatro dos nove sem-terra mortos na madrugada do dia 9 em Corumbiara, Rondônia, durante conflito com a PM.
Além desses morreram dois policiais (um com três tiros e outro com um).
Mas o número de posseiros mortos pode aumentar. Dez sem-terra estariam desaparecidos desde o conflito. Na quinta-feira foi encontrado mais um corpo. Tinha fraturas na cabeça e deslocamento da calota craniana.
O massacre de Corumbiara ocorreu há 19 dias. Quatro dias antes ocorrera outro massacre, este na fazenda Manah, no Pará. Até agora não se sabe o número exato de mortos. Talvez seja 12 (9 sem-terra invasores e 3 empregados da fazenda), talvez 17.
Como Corumbiara, Manah expõe as mazelas do nosso Estado e de seus administradores de plantão: inexiste política para o uso da terra; os governos são incapazes de evitar conflitos, mesmo os previamente anunciados; a apuração policial das responsabilidades é negligente e lenta; faltam equipamentos para uma perícia científica que apresse as investigações e lhes dê confiabilidade.
Sábado ocorreu mais uma invasão de fazendas, desta vez em São Paulo e organizada como atração televisiva. Mas a presença planejada de câmeras não esvazia o potencial de conflito.
Corumbiara, Manah e agora Paranapanema poderiam ser bandeiras para o presidente neo-social Fernando Henrique Cardoso enfrentar de vez o problema da distribuição de terras no país.
Quanto aos assassinos de Corumbiara e Manah, o que se quer é o mesmo que a imprensa esportiva de São Paulo exige em relação aos marginais do futebol: ``Que a Justiça seja rápida e implacável", como resumiu Alberto Helena Jr.

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