São Paulo, segunda-feira, 28 de agosto de 1995
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Febrônio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - O nome não assusta mais ninguém. Mas na minha infância, ao ouvir o nome de Febrônio, ninguém poderia se vangloriar das cuecas limpas -tal como fez o nosso presidente, semana passada.
Era um tarado, estava sendo estudado por especialistas em um manicômio judiciário, em Niterói. Sua especialidade, segundo a mídia de então, era pegar meninos, atraí-los com balas, depois violentá-los e matá-los. Apesar de toda a sua malignidade, os guris da época nada sabiam dele até que aconteceu o Armagedon dos anos 30, a batalha final entre o bem e o mal: Febrônio fugira do manicômio.
Foi o terror: as ruas ficaram desertas, as escolas fecharam, os pais colocaram trancas nas portas e janelas, cachorros foram soltos pelos quintais -naquele tempo, toda casa decente tinha um cachorro. Ao lado do guarda-noturno formava a espinha dorsal da segurança urbana (o esquema funcionava mais e melhor do que as polícias Civil e Militar de hoje).
Oito anos atrás, estava em Nova York quando se anunciou um dos tornados que periodicamente açoitam os Estados Unidos. Os bons americanos encheram suas banheiras para que as casas de madeira não voassem. É a síndrome do lobo mau que faz voar a casa de palha dos três porquinhos.
As TVs interromperam a programação e passaram a dar notícias do vento, das ondas. Tirei de letra aquele pânico meteorológico. Nada que pudesse se comparar ao estupor que reinou na cidade quando o rádio anunciou que Febrônio já tinha chegado ao Cais Faroux, onde as barcas da Cantareira aportavam. A partir dessa chegada o Rio viveu um clima de apocalipse.
Minha mãe guardava no oratório umas palmas ressequidas que trouxera do Domingo de Ramos. Ela acreditava que com aquela palha podia fazer alguma luz no Dia das Trevas -que antecede o fim do mundo.
Aterrorizado, fui buscar a caixa de fósforos na cozinha. Ela acendeu as palhas, deram pouca chama, em meio minuto estavam reduzidas a cinzas. Mas até hoje acredito que tudo terminou bem por causa daquela fé que remove montanhas e tarados.

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