São Paulo, terça-feira, 29 de agosto de 1995
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A caminho de Pequim: flores e pedras

SILVIA PIMENTEL

Grandes têm sido os esforços e articulações por parte das mulheres de todo o mundo preparando o Fórum de ONGs e sua contribuição à 4ª Conferência Internacional da Mulher, da ONU, a realizar-se em setembro, em Pequim.
Grandes também têm sido as dificuldades, desde as decorrentes do amplo processo de participação democrática àquelas como a atitude do Vaticano e de alguns poucos países impedindo que o documento resultante da Conferência Preparatória, em Nova York, contemplasse os conceitos de gênero, direitos reprodutivos, entre outros.
Ademais, o esboço dessa Plataforma de Ação -a ser votada em Pequim, com o objetivo de comprometer os Estados com o seu conteúdo- não está levando devidamente em conta o crescimento em importância dos renovados paradigmas do movimento de mulheres.
Há graves carências de análise de quanto e como o presente contexto mudou a nível global, regional, nacional e local e de como essas mudanças afetaram a vida das mulheres. Diria mais, revela graves omissões políticas.
Há, por parte de mulheres do Terceiro Mundo, significativos estudos e propostas a respeito, como os do Cladem -Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher-, do APHWRC -Asian Pacific Human Women's Right Council- e do DAWN -Development Alternatives with Women for a New Era-, sendo que neste artigo privilegiarei os subsídios deste último.
A Primeira Conferência Internacional da Mulher, realizada na Cidade do México em 1975, chegou ao consenso de que importava elaborar a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, aprovada pela ONU em 1979. A segunda conferência, em Copenhague, constatou a ratificação dessa convenção por muitos países, mas também a falta de encaminhamentos políticos e legais para torná-la efetiva.
O desenvolvimento foi o foco central dessa conferência. A terceira, em 1985, assumiu conceitos e políticas relevantes ao adotar as Estratégias Pós-Nairobi, que, contudo, ainda falham quanto a uma integração compreensiva da perspectiva de gênero em relação às dimensões que envolvem a tomada de decisões políticas.
A ECO de 1992, no Rio, deu um salto ao reconhecer a perspectiva de gênero em sua relação com o meio ambiente e o papel criticamente importante das ONGs de mulheres no processo internacional. Em 1993 a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena, definiu a violência contra a mulher como uma violação de direitos humanos fundamentais.
Em 1994 a Conferência sobre População e Desenvolvimento, no Cairo, admitiu crucial o fato de a mulher vir a ter mais poder na sociedade para o sucesso das políticas de população, o que inclui respeito à sua autodeterminação no controle de suas decisões quanto à sua vida reprodutiva e sexual.
Concluindo esse elenco de conferências internacionais rumo a Pequim, cabe mencionar a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, de março último, em Copenhague, ressaltando o fato de que vários governos demonstraram-se sem vontade política de enfrentar os problemas estruturais que estão gerando e exacerbando pobreza, desemprego e alienação social crescentes.
A invisibilidade das relações sociais de gênero -masculino/feminino- em todo pensamento econômico, sóciopolítico e jurídico impede que a situação das mulheres seja adequadamente dimensionada. Sendo mais vulneráveis à crise econômica global, as mulheres são o grande desafio ao presente paradigma de desenvolvimento.
Colocando-se na encruzilhada da produção e da reprodução, suas perspectivas são cruciais à aquisição de igualdade, equidade, paz, proteção ambiental e desenvolvimento centrado no ser humano. Acresça-se ainda que a discriminação racial e étnica, às vezes ligada à religiosa, interage com o desemprego de milhões de mulheres, tanto do Sul quanto do Norte.
A Plataforma de Ação, a ser votada em Pequim, precisa vir a conter essa problemática, enfrentando as políticas de ajuste estrutural que estão sendo promovidas em relação ao Terceiro Mundo, acirrando a miséria de muitos, em especial das mulheres e das famílias pelas quais são responsáveis.
Uma revisão fundamental desses programas e a reavaliação de suas bases teóricas deve ser objeto da Plataforma, sob pena de esse documento não vir a refletir o empenho mundial das ONGs de Mulheres e, assim, fazer com que a 4ª Conferência, além de não avançar, venha mesmo a significar um retrocesso.
Com tanta força de vontade, as mulheres estão lutando por flores, entendendo-se estas como a ampliação de suas conquistas por um mundo melhor que contemple a equidade. Que a comunidade internacional e, especificamente, os Estados-partes, não obstruam o seu caminho colocando pedras intransponíveis é o que se augura.

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