São Paulo, sábado, 2 de setembro de 1995
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Estimulando o desemprego e desestruturando o social

DEJANDIR DALPASQUALE

Um dos maiores desafios da atualidade é a criação de oportunidades de trabalho que estanquem o crescente desemprego, fruto das conquistas tecnológicas introduzidas nos vários segmentos da economia.
Na agricultura, a tecnificação e a mecanização das lavouras reduziram drasticamente as oportunidades de emprego no campo. Na indústria, a robotização e a informatização vão, cada vez mais, diminuindo a necessidade de mão-de-obra menos qualificada.
Aos excluídos, restam duas alternativas: a improvisação da economia informal e, para aqueles com alguma visão ou que contam com o apoio de pessoas ou instituições com caráter social, a sua organização em cooperativas de trabalho.
A Constituição brasileira (como tantas outras em todo o mundo) determina que o governo fomente o cooperativismo. Este dispositivo mandatório foi inserido na Constituição porque se reconhece que o cooperativismo é uma alternativa válida e de grande utilidade para resolver a crise social.
Infelizmente, assim não entende o atual governo. Por sua iniciativa, e o que é mais espantoso, do Ministério da Previdência Social, está tramitando no Congresso (em regime de urgência urgentíssima) o projeto de lei complementar 9/95, no qual se cria para as cooperativas a obrigatoriedade de recolher sobre o total pago ou creditado aos seus associados, uma contribuição dita "social", de 20%.
Trata-se de uma verdadeira derrama. Ao contrário de fomentar o cooperativismo, como manda a Constituição, o governo faz exatamente o oposto, pois tal contribuição viria inviabilizar todas as cooperativas de trabalho e de crédito neste país. Faz-se necessário ressaltar que os associados de uma cooperativa de trabalho, como autônomos que são, já contribuem com este valor.
Como as cooperativas são de seus associados, uma eventual cobrança das mesmas seria repassada imediatamente a eles, que assim pagariam duplamente um mesmo tributo.
No Brasil, o cooperativismo de trabalho está em franca expansão. Existem cooperativas desse tipo nas mais diferentes profissões: cooperativas de costureiras, de bordadeiras, bóias-frias, estivadores, ascensoristas, carregadores, taxistas, engenheiros, médicos, jornalistas, dentistas, psicólogos, fonoaudiólogos, agronômos, advogados, enfim, qualquer atividade econômica pode ser exercida por intermédio de cooperativas.
É a união de uma classe em defesa do sagrado direito de trabalhar e obter uma renda digna, sem submissão aos detentores do capital, sejam eles grupos econômicos, famílias ou pessoas.
O cooperativismo tem surgido em todo o mundo sempre que a humanidade se defronta com dificuldades insuperáveis e crises incontornáveis. Foi assim que ele nasceu em 1844, na Inglaterra, para se contrapor às imensas injustiças sociais geradas pela nascente revolução industrial.
Mais tarde, na Alemanha, quando os juros alcançaram patamares insuportáveis, inviabilizando o empréstimo aos pequenos lavradores e comerciantes, surgiram as até hoje festejadas cooperativas de crédito, alavancas do desenvolvimento econômico daquele país.
Em todo o mundo, países esclarecidos, independentemente de ideologia, estimulam e fomentam a organização dos trabalhadores em cooperativas, quer de trabalho, quer de crédito, conscientes de que esta é uma alternativa eficiente para combater o drama do desemprego, da usura, da dependência do capital espoliativo e anti-social.
É preciso alertar o público, as autoridades constituídas e os membros do Congresso Nacional sobre as consequências altamente danosas da eventual aprovação deste projeto de lei complementar.
As cooperativas de trabalho simplesmente deixarão de existir, seus integrantes cairão na marginalidade ou não terão mais condições de continuar trabalhando autonomamente em suas cooperativas. E, o que é mais grave, o governo estará fechando as portas de um sistema que, hoje, vem sendo observado como a verdadeira solução para minorar uma das mais graves consequências decorrentes da crise econômica: o desemprego.

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