São Paulo, sábado, 2 de setembro de 1995
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Doutrina não, evangelho sim

JAIME WRIGHT

O ensino religioso nas escolas se justifica quando direcionado à preparação para a vida. Esse direcionamento se consegue, de um lado, pelo estudo das Sagradas Escrituras e, por outro, pelo confronto com o jornal diário.
O que é que o texto bíblico tem a dizer sobre o que está acontecendo no mundo lá fora? A maneira como esses fatos se articulam e são assimilados na formação dos alunos lhes permite incorporar certos valores que darão significado à vida.
A expectativa principal entre os alunos é a criação de um espaço de liberdade dentro da escola. Se o ensino religioso é capaz de oferecer esse espaço de liberdade, em que o livre debate das questões que realmente interessam aos alunos ocorre, isso é um sinal promissor de que algo novo está acontecendo.
O Conselho Mundial de Igrejas e o Concílio Ecumênico Vaticano 2º trabalharam pela interconfessionalidade, ou seja: a unidade, as crenças e as esperanças comuns dos cristãos. A interconfessionalidade no ensino religioso significa mudança de rumo, o que, em linguagem teológica, significa arrependimento.
Assumir a interconfessionalidade é uma forma de autoconfissão das igrejas cristãs, o que implica na evangelização de si mesmas. Isso requer -quase sempre- o reaprendizado do que foi esquecido com o tempo e obscurecido pelas disputas religiosas. O uso bastante difundido do nome OPV (Orientação para a Vida), com o conteúdo correspondente em lugar do ensino religioso, abriga uma forma de rejeição.
Cleves Emerich dos Santos, em sua dissertação de mestrado para a Universidade Federal do Espírito Santo ("Ensino Religioso, Corpo Estranho no Currículo Escolar de 1º e 2º Graus"), conclui que "o ensino religioso não se apresenta como uma prática libertadora no sentido freireano ou no sentido cristão, que é mais amplo, como prática para a liberdade. Permanece no sistema educacional como possibilidade e promessa que poderão concretizar-se desde que seja assumido por educadores que não meramente adaptam-se à sociedade, mas nela se inserem de forma transformadora".
Não é tarefa do ensino religioso passar aos alunos o significado que o professor dá à leitura da realidade divino-humana, pois isso seria doutrinação ou catequese. Tal doutrinação contribuiria para aprofundar as diferenças entre uma e outra confissão.
O que se quer do ensino religioso é que ele proporcione uma visão mais uniforme da vida, do bem e do relacionamento humano comprometido, que se traduz numa vivência solidária permanente.
O ensino religioso nas escolas públicas é perverso quando instrumentalizado para suprir deficiências pedagógicas (doutrinação) de determinadas greis.
Ele poderia ser redentor ao vivenciar os valores mais belos do relacionamento humano: "Amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si" (Gálatas, 5,22).

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