São Paulo, sábado, 2 de setembro de 1995
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Sobre modernidade

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Tenho o maior respeito por Luís Nassif e é só por isso que me sinto constrangido a rebater afirmação que ele vem fazendo seguidamente e repetiu na coluna de ontem. Trata-se de decretar que o ex-presidente Collor foi o homem que "abriu os caminhos do país para a modernidade".
Não dá para engolir. Primeiro porque Collor é um aventureiro sem o menor escrúpulo. Se aventureiros sem escrúpulos são sinônimo de modernidade, prefiro ser pré-antigo. E não vejo como dissociar o caráter da obra de um cidadão.
Para demonstrar a falta de caráter, basta um entre tantos episódios: é moderno quem paga a ex-namorada de seu adversário na campanha eleitoral para fazer-lhe acusações no horário gratuito de propaganda?
Ponto dois: antes de encher a boca para falar em modernidade, é preciso qualificá-la. A modernidade pela qual Collor é elogiado não foi inventada por ele, até por absoluta falta de condições para fazê-lo. Tudo o que caracteriza uma suposta modernidade (abertura da economia, privatizações, enxugamento do Estado etc.) estava na agenda brasileira já há algum tempo, até porque se incorporara à agenda internacional desde que Margaret Thatcher assumiu na Inglaterra, em 1979 (dez anos antes da eleição de Collor, portanto).
O México, para citar apenas um exemplo, "abriu os caminhos para a modernidade" bem antes de Collor. Copiou direitinho a receita da tal modernidade.
Resultado: o Banco Mundial informa que, entre 80 e 94, aumentou 51% o número de mexicanos que vivem abaixo da linha da pobreza. Agora, são 35% ou 31 milhões de pessoas.
Comentário de Shahid Javed Burki, vice-presidente do banco para a América Latina: "Apenas uma distribuição de renda mais equitativa pode viabilizar o processo de abertura política e liberalização econômica do país".
A menos que o Banco Mundial também seja, como eu, pré-antigo, parece que a modernidade vai bastante além do pouquíssimo que foi feito na gestão Collor (e, também, na de seus dois sucessores).

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