São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Entre palavras e atos

JANIO DE FREITAS

Entre o que é dito ao país e o que é de fato pretendido pelo governo, a distância vai ficando cada vez maior.
Quem, por exemplo, espera para o ano que vem um período já desanuviado, sem os atuais arrochos da política econômica, como prometem o presidente e alguns ministros, não atentou para o significado de um número aparentemente estimulante de otimismo, emitido pelo próprio governo. É a previsão de apenas 15% de inflação em 96, adotada na formulação da "reforma" tributária proposta ao Congresso por Fernando Henrique Cardoso.
Com todo o aperto do crédito, juros nas alturas, aumento de impostos de importação, corte de gastos e tudo o mais, a inflação prevista para 95 beira os 30%. Para que a inflação do ano que vem fique na metade disso, é evidente que não pode haver desaperto das tarraxas atuais. O provável é que haja ainda maior compressão, pelo menos em alguns setores. Até por ser muito mais difícil, pela dureza das medidas que exige, reduzir ainda mais uma inflação que já esteja em percentuais razoavelmente baixos, como a deste ano.
Se é estimulante pensar-se em inflação anual de 15%, é muito preocupante a consequência econômico-social do conjunto de medidas, prorrogadas ou novas, necessárias para chegar-se a tal índice. O desemprego já alcança recordes. Concordatas e falências, as já ocorridas e as que são iminentes, também vão se tornando recordistas. Com elas, mais crises setoriais e mais desemprego, com sofrimentos brutais para uma quantidade não menos brutal de famílias. E fermentação social, com as cenas que lhe são próprias, em uma situação de violência urbana já instalada e crescente.
Os estudos do Banco Mundial mostram que, pior do que a distribuição de renda do Brasil, só a do triste e africano Botsuana. A prioridade absoluta à redução também absoluta da inflação exige, mesmo, sacrifícios sociais muito pesados. Mas a questão é saber se tamanha radicalidade se justifica em um país com um conjunto de miséria e de empobrecimento como o já exibido pelo Brasil. Na melhor hipótese, corre-se o risco de anular a inflação para, em seguida, concluir que a devastação foi tão grande que inviabilizou a perspectiva de soerguimento geral do país.
Os últimos dias deixaram mais um exemplo chocante do conflito entre as palavras e os atos dos governantes. É o caso do Plano Plurianual mandado ao Congresso, com a previsão de investimentos, de 96 ao fim de 98, no montante de formidáveis R$ 150 bilhões em infra-estrutura, ou seja, em transportes, energia elétrica, obras públicas. O plano, segundo Fernando Henrique, retrata a retomada do desenvolvimento por seu governo.
Mas, mandado simultaneamente ao Congresso, o Orçamento preparado pelo governo para 96 diminui em mais 12,7% a já minguadíssima verba de investimento de 95. A dotação do ano que vem seria de apenas R$ 8,4 bilhões. E depois do ano que vem restarão ao governo de Fernando Henrique só dois anos, nos quais, para cumprir o prometido investimento de R$ 150 bilhões, precisaria aplicar impossíveis R$ 71 bilhões por ano, nove vezes o montante de 96.
O Plano Plurianual e o Orçamento não são produtos de laboratórios sem comunicação no governo. Foram ambos criados no Ministério do Planejamento de José Serra. E concomitantemente. Mas o plano é para ser mencionado e o Orçamento é para delimitar os gastos possíveis do governo. Um são palavras, o outro são atos.
Entre os dois, fica você, leitor bem servido pelo cívico e independente jornalismo pátrio.

Texto Anterior: NA PONTA DA LÍNGUA
Próximo Texto: CUT dobra contribuição de sindicatos em plenária
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.