São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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Escritor ouve vozes na rua desde 77

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Nem todo mundo que vive nas ruas pede esmolas ou faz pequenos trabalhos para sobreviver. Raimundo Arruda Sobrinho, por exemplo, passa o dia escrevendo.
Sua última obra, "O Condicionado", reúne oito pensamentos breves, perspicazes e bem-humorados, sobre temas tão variados quanto a origem do homem, a polícia, ciência e direito.
"O Condicionado" terá 45 exemplares, copiados a mão pelo autor, que faz uma "distribuição gratuita e perpétua" da brochura.
Raimundo vive nas ruas desde 77, quando começou a ouvir "vozes". Veste-se com trapos, usa uma barba enorme e um saco plástico como chapéu.
"Não tenho tempo de explanar agora porque estou assim", diz.
Raimundo afirma ter nascido em Piacá, Goiás. Chegou a São Paulo em 1961, com a intenção de estudar direito. Não conseguiu. Era vendedor de livros quando, em 77, teve um surto, tentou atirar contra as vozes que ouvia e passou a viver nas ruas.
Nos últimos dois anos tem sido visto na avenida Pedroso de Moraes (Alto de Pinheiros). Já morou nos Jardins e Morumbi.
Vive da ajuda de comerciantes e moradores das redondezas.
Raimundo tem 56 anos, embora diga não acreditar que estejamos em 1995. "Acredito que estamos muito além do ano 2000."
Irrita-se quando o repórter pergunta por que seu livro se chama "O Condicionado": "Vejo que o sr. não está preparado para me entrevistar". Depois, explica que foi agressivo porque uma vez um jornal o chamou de mendigo.
"A verdade dói. Se o sr. me cobrir de infâmia e eu estiver em paz comigo mesmo, o seu texto não vai me ferir. Eu não preciso passar por um detector de mentiras. A imprensa precisa."
Raimundo conclui com palavras ainda mais duras: "Minha selvageria e a sua irresponsabilidade verbal são equivalentes. Não dá para conversarmos".
Diante da cara de espanto do repórter, acrescenta: "O psiquiatra me programou para ficar agressivo com jornalistas. Só se deforma o que é bem informado, me disse uma voz. Eu sou uma pessoa delicada, programada pela psiquiatria".
(MSy)

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