São Paulo, domingo, 3 de setembro de 1995
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O Brasil e os morrinhas

ANTONIO KANDIR

Faz alguns meses começaram a surgir escaramuças localizadas entre o governo do presidente Fernando Henrique e forças políticas menos propensas a apoiar mudanças profundas na estrutura e funcionamento do Estado brasileiro.
Enquanto estiveram em pauta as emendas da ordem econômica, as escaramuças permaneceram submersas, emergindo hora ou outra, como no caso da reestruturação da Caixa Econômica Federal. O cenário deste segundo semestre começava então a se montar, mas faltavam elementos para que o espetáculo fosse estrelado com todo alarde.
Esses elementos chegaram a seu tempo, à medida que o governo avançava na propositura de reformas constitucionais, tomava medidas drásticas no sistema financeiro, completava o preenchimento de cargos em instituições oficiais de crédito e empresas estatais. Enfim, à medida que a aprovação das emendas da ordem econômica cedia lugar a medidas e projetos de aprofundamento da disciplina fiscal e monetária.
O espetáculo político a que estamos assistindo -com um novo foco de incêndio produzido a cada dia na base parlamentar do governo- tem, pois, algo de preestabelecido.
De um lado, porque inscrito no roteiro do processo de estabilização com reforma estrutural do Estado. De outro, porque antevisto, alimentado e agora instrumentado por forças políticas que atuam conforme dois objetivos, não necessariamente excludentes: deslocar o ponto de equilíbrio do governo, tornando-o mais leniente com os "vícios do passado; maximizar o custo do apoio político.
Como de costume, o primeiro movimento para alcançar esses objetivos é inflar o espantalho da paralisia decisória, donde tantas e tamanhas ameaças de vetos, bloqueios e armadilhas. O segundo movimento vem sob a forma de auxílio, em nome da governabilidade, ao custo de sensível acomodação do ímpeto reformista.
A história brasileira recente mostra mais de um exemplo de operações políticas dessa natureza. No passado, elas surtiram os efeitos desejados por seus protagonistas. Agora, será diferente. Não apenas porque há vontade política para pôr o dedo nas feridas do Estado brasileiro, mas sobretudo porque existem condições objetivas para tanto.
As condições objetivas decorrem de dois fatores fundamentais.
O primeiro deles, o processo de estabilização. A marcha firme do Plano Real coloca o governo, bem como as forças que, nos Estados e no Congresso, apóiam reformas profundas, em condições de manter-se desassombrados frente ao arsenal de ameaças e quiproquós.
O processo de estabilização tem custos sociais e produz conflitos, é verdade. Em contrapartida, o sucesso no combate à inflação tem se mostrado, em todos os lugares e não obstante momentos difíceis, um "produtor confiável de legitimidade e apoio político majoritário, principalmente quando o sucesso do combate à inflação está associado a perspectivas favoráveis quanto a um novo ciclo de desenvolvimento econômico.
Assim, se hoje vivemos um momento conturbado na cena política, no campo econômico estão se produzindo, com a inflação em movimento de baixa e as perspectivas de um novo ciclo de desenvolvimento firme no horizonte próximo, as condições para que se acelere em momento mais apropriado o ritmo das reformas que dependem de ampla concertação política.
Também no campo social o governo e as forças políticas empenhadas em reformas profundas do Estado encontram motivos para não ceder frente às ameaças e quiproquós.
Há não muito tempo, ao político ou burocrata empenhado na defesa intransigente do interesse público faltava apoio social mais amplo. Hoje já não é mais assim. A formação de uma opinião pública alerta e favorável a mudanças profundas na estrutura e funcionamento do Estado brasileiro, não mais restrita às grandes capitais, mas implantada também em milhares de cidades médias e pequenas, mudou os termos do jogo político.
De um lado, porque ofereceu um trunfo novo a quem não esteja disposto a ceder aos mecanismos tradicionais do sistema político. De outro, porque limitou os movimentos de partidos e lideranças que, estando ligados originalmente à política tradicional, desejam legitimamente ter posição futura proeminente no plano político nacional.

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